segunda-feira, 3 de julho de 2017

Ida para Cuiabá

Nicanor de Freitas Filho
            Outro dia me perguntaram por que eu fui morar em Cuiabá. Vou tentar explicar, sem citar nomes para não constranger ninguém.
            Trabalhei numa empresa por dez anos. Era Gerente de Exportação de uma das Unidades. A empresa tinha várias unidades. Quando começamos exportar os produtos dessa Unidade que eu trabalhava, já existia um Departamento de Comércio Exterior, que cuidava de toda parte administrativa e financeira – exportação e importação – da empresa toda. Analisava, Cartas de Crédito, fechava câmbio, conferia documentação, fazia toda a parte de Faturas Pro Forma, tratava também das importações, de maquinário e peças e até alguma matéria prima, enfim, tudo que chamamos de parte burocrática. Era gerenciado por uma senhora muito competente e que já estava na empresa há muitos anos. Meu Departamento cuidava só da área Comercial e Pós Venda. Isso era no final dos anos 70 e começo dos anos 80 e o Brasil vivia uma crise danada, mas o Governo Militar incentivava a Exportação. Logo outra Unidade começou a exportar produtos específicos dela e criou-se outro Departamento Comercial de Exportação. Mas a documentação também era feita pelo Departamento de Comércio Exterior.
            Nessa época foi contratado para a Superintendência do Grupo, um “Gringo”, que não falava muito bem o português e nem entendia muito da administração brasileira. Eu, teoricamente, não tinha nada a ver com ele, pois abaixo dele tinha um Diretor da Unidade, abaixo do Diretor um Gerente Geral de Marketing e Vendas, ao qual eu era subordinado. Mas não é que depois de uns tempos esse gringo vinha dar ordens diretamente para mim? Eu nunca gostei disso, e antes de tomar qualquer providência informava ao Gerente Geral ou ao Diretor da Unidade. Mas ele adorava “me encher o saco”. Fez-me fazer uma viagem ao Paraguai, quando eu estava de licença médica, com uma vista só, em 1983, por ter operado de catarata, com problema no olho direito, que ficava tapado, em decorrência de uma grande hemorragia, para fazer uma cobrança – que todos sabíamos – o problema era do Paraguai que não liberava os pagamentos ao exterior. Mesmo assim, interrompi a licença e fui. Não adiantou nada!
            Um dia ele reuniu os três gerentes dos departamentos ligados ao Comércio Exterior e disse que estava os unindo. Muito bom! Precisava mesmo ser unificado. E nós até entendíamos que a Gerente do Depto. de Comércio Exterior unificado, deveria ser a senhora que era  a mais velha e mais antiga de casa, conhecendo muito mais que nós.  Mas ele disse que não! Ela iria para Secretaria da Presidência, ou melhor, de toda Diretoria. Muito bem, então quem vai ser o Gerente? Não precisa definir, vocês se entendem. Afinal são só 14 funcionários e vocês conhecem todos e conhecem o que tem que ser feito, além de serem amigos! Tá bom ou quer mais?
            Na verdade eu sempre me dei muito bem com o Gerente Comercial da outra Unidade e fazíamos muitas coisas em conjunto. Mas assim, sem ter um responsável? Não! Não poderia dar certo. A partir daquele momento, fui conversar com meu Diretor – estava sem o Gerente Geral de Marketing – e me posicionei contrário àquela atitude estranha e totalmente fora dos padrões da empresa e da época. Os produtos da Unidade que eu trabalhava, estavam começando a cair no mercado internacional e mesmo no nacional, tanto que depois de quatro ou cinco anos a fábrica desses produtos foi vendida. Mas o fato é que eu passei a não me sentir bem, como me senti por dez anos. Era uma posição esdrúxula, sem chance de discutir o problema, pois meu Diretor era muito de por panos quentes e levar do jeito “maneiro” até ter uma solução.  Acredito que ainda fiquei por quase um ano levando a coisa assim, na esperança de resolver. Mas nada acontecia.
            Aí surgiu um motivo maior para me desestimular. O tal superintendente contratou um assessor para área de organização e métodos, que, entendo, foi instruído a me encher o saco pra valer. Pois ele só queria falar comigo, não tratava praticamente nada com o outro Gerente, meu colega.  Aí, pedi para meu Diretor me demitir, pois não queria ficar sem sacar o tal FGTS de dez anos. Ele disse que ia ver. Demorou quase dois meses e nada. Então cobrei e ele me disse que não tinha motivo para me demitir e demissão não era assim tão fácil, como ele explicaria à Diretoria, me dispensar sem motivo? Eu disse para ele que ia dar um motivo. Ele, me conhecendo bem, me disse para ir com calma. Na primeira vez que o assessor veio à minha sala para me “dar instruções” sobre novas normas eu simplesmente mandei-o para um lugar que ninguém vai, mas a gente manda, para demonstrar raiva ou desrespeito. Disse que estava muito ocupado e era para ir falar com o outro Gerente, pois eu cuidava só da parte comercial. Ele ficou sem reação, e, claro que foi falar com o superintendente.  Este, que provavelmente já esperava algo assim, foi direto no meu Diretor reclamar da minha “falta de educação”. No que ele aproveitou e disse, segundo me falou depois: “É o Freitas anda meio nervoso mesmo. Acho que podemos tocar o Departamento sem ele.” Mesmo porque, meu colega e eu, tínhamos preparado tudo para minha saída.
            Fazia tempo que tinha uns amigos de Cuiabá que haviam me convidado para administração de duas Construtoras e uma Imobiliária, pois ambos tinham lá em Cuiabá esse Grupo, para justificar residirem em Cuiabá, pois o que tinham mesmo para ganhar dinheiro eram suas fazendas. Uma delas com oitenta mil pés de seringueira.
            Para prestigiar meu amigo Valdemar Coimbra – colega de Muzambinho, do qual não tinha notícias há mais de 57 anos e descobri agora que está morando em Jataí – vou contar um pedacinho da minha viagem para Cuiabá, que se deu no dia 18 de maio de 1987 e tive que ir sozinho, pois minha filha estava no terceiro ano do ensino médio e não tinha como transferi-la no meio do semestre. Eu tinha um carro VW Gol BX cinza. O mais pé de boi que já tive. Para se ter uma ideia, tinha minha mala grande, para viagens internacionais que não coube no porta mala. Teve que ir no banco traseiro. Planejei sair pela manhã, para e almoçar na casa de meu irmão em Frutal-MG (500 km), descansar um pouco e dormir em Jataí-GO (mais 500 km). Tinha que dormir bem para enfrentar no dia seguinte os 700 km até Cuiabá. Correu tudo bem. Fiquei um pouco mais do que queria em Frutal, batendo papo com os familiares, e rumei para Jataí. Ficou escuro e eu não gosto de dirigir à noite, pois uso lentes de mais de 10º por causa da cirurgia de catarata que fiz, na época que ainda não se fazia implante de cristalino. Já chegando em Jataí, por volta das 20:30 h, sozinho no carro, pouco movimento na estrada, quando avistei as luzes de Jataí de cima de um morro. Nisso, iniciei uma descida e eu já fazendo as contas da hora que teria que levantar no dia seguinte, quando, na descida, sumiu a cidade da minha vista. Pensei comigo mesmo: deve ser um morro bem alto para tapar assim toda a cidade, que não consigo ver nada. Sumiu tudo. Ficou tudo muito escuro. Como estava com faróis altos, não tinha problema. Toquei em frente. A cidade não aparecia mais na minha área de visão. De repente vi que cheguei na cidade mas estava tudo escuro do mesmo jeito que quando vinha pela estrada. Verifiquei que já estava em uma avenida e vi dois senhores numa esquina. Parei e perguntei o que estava acontecendo. Um deles, educadamente, me respondeu que era um “apagão”, mas também não sabiam do que se tratava. Então perguntei por um hotel e me disseram que naquela mesma avenida três, quarteirões adiante, tinha o Hotel Rio Claro. E foi lá que fiquei. Tomei banho frio, por falta de eletricidade, à luz de velas, lembrando-me dos chuveiros das Escolas Agrotécnicas, sempre gelados! Mas logo depois do banho, voltou a eletricidade e pude descer para jantar. No dia seguinte levantei cedo e me fui, rumo a Cuiabá, onde morei por dois anos.

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Nicanor de Freitas Filho