quinta-feira, 20 de julho de 2017

Cuiabá, fui e voltei

Nicanor de Freitas Filho

            Fui morar em Cuiabá, fiquei lá dois anos, mas o problema econômico do Brasil, no Governo Sarney foi terrível, principalmente para o ramo em que fui trabalhar: imobiliário! Plano Cruzado, Plano Bresser, Plano Mailson, planos e mais planos econômicos, foram todos lastimáveis. Acabaram com o Brasil. Tive que voltar para São Paulo. Vim trabalhar numa fábrica de material de artigos de festas, que era ligada ao Palácio dos Enfeites, famosa rede de lojas desses artigos. Vim para trabalhar na exportação dos produtos.
            A fábrica, que era mais conhecida como “Reizinho”, ficava em Itaquaquecetuba, um pouco afastada da cidade, então era melhor usar o refeitório da fábrica, mesmo porque, naquele tempo não tinha bons restaurantes por lá. Mas acontece que um dos irmãos, proprietários da fábrica, tinha comprado um terreno colado à fábrica, onde fez, digamos assim, uma casa de campo, que tinha um salão/bar, com mesa de sinuca profissional e tudo muito próprio para se divertir. Então ele acertou com a empresa que servia a comida para os funcionários, para servir lá na casa dele, para alguns privilegiados. Assim ele, o irmão, sobrinho, eu e outros funcionários, da Moóca que iam à fábrica e também alguns clientes, fornecedores ou gerentes de bancos eram convidados a almoçar lá.
            O dono da casa, Sr. Jayme, é muito espirituoso e “gozador” e todas as vezes que ia um convidado novo almoçar conosco, era certo que ele preparava a piada e sempre acontecia, pois ele provocava o ambiente para isto. Ele adorava uma picanha ou um porco à pururuca, mas tinha o colesterol muito elevado e tomava remédio. Então dizia que se já tomava remédio para o colesterol, podia comer picanha. Sempre ele pegava a bandeja de salada e oferecia a todos e ia passando. Voltava nele e ele insistia com mais alguém, mas não se servia de salada até que uma hora o convidado perguntava: “O senhor não come salada, Sr. Jayme?” Na hora ele respondia: “Não, tornei-me ecológico agora, não como nada verde e, se tiver algum bicho que come o verde, eu como o bicho para ele não comer mais o verde”.
            Como era muito difícil exportar aqueles produtos, devido ao volume (uma tonelada chegava a ter dez ou doze metros cúbicos) fui gerenciar uma fábrica de papel higiênico em Poá, que depois mudou para Diadema. Fiquei lá por dois anos, mas não era meu negócio. Queria exportação! Meu amigo Sérgio Moreira, hoje vivendo no Chile, que foi quem me indicou para a Reizinho, trabalhava na Propasa, fábrica de cadernos, que tinha participado do Consórcio de Exportadores de Cadernos que eu gerenciei antes de ir para Cuiabá. Ele estava deixando a Gerência de Exportação de Cadernos para ir para a Exportação de uma fábrica de papel, que é o que ele faz até hoje, só que agora lá no Chile. Então fui para o lugar dele, na Propasa, que eu já conhecia por causa do Consórcio de Exportação e era amigo dos donos, principalmente do Sr. Anis e do Anis Filho, que foi quem me contratou.
            No segundo dia que eu estava trabalhando na Propasa, o Sr. Anis mandou  me chamar à sala dele. Disse-me: “ Oh Freitas, que bom que agora estamos juntos. Será muito bom trabalhar com você!” Eu fiquei todo feliz e começamos um papo, sobre mercado, sobre produtos, sobre exportação, sobre minha ida para Cuiabá, quando então eu falei para ele: “Se arrependimento matasse eu já teria morrido! Não sei o que fui fazer em Cuiabá!” Imediatamente ele me interrompeu e com toda sua vivência e experiência me disse: “Nunca diga que se arrependeu de algo que você fez. A gente só se arrepende do que deixou de fazer! Pense bem, você poderia estar sentado aqui na minha frente, como está agora e me dizer: ‘...pois é Sr. Anis, há seis anos atrás, eu tive uma excelente oportunidade, quando fui convidado a ir para Cuiabá e não fui, agora estou aqui, de novo, exportando cadernos...Pense no quanto de experiência você adquiriu lá...’” (Momento realmente marcante).
            Aprendi com ele nessa mensagem e nunca mais me arrependi de nada que fiz, tirando proveito do que aprendi com os erros. E aprendo até hoje!

terça-feira, 11 de julho de 2017

Como os Juízes te assaltam...

Este vídeo, foi copiado do Blog Vespeiro, de Fernão Lara Mesquita, mas como ele incentiva a divulgar, estou postando aqui no meu blog também... Assistam e por favor, preparem-se para não dar vômitos!


sábado, 8 de julho de 2017

Delícia de Pudim

Nicanor de Freitas Filho
           
            Estudou comigo na Escola Agrotécnica de Muzambinho, um araxaense que quase todos os conterrâneos devem tê-lo conhecido. Não só por ter sido um dos fundadores da Academia Araxaense de Letras, mas também foi Vereador, era um político culto além de Poeta e um excelente violonista. Foi ele quem me introduziu no mundo do violão. Aprendi com ele os primeiros acordes e depois muitos outros. Éramos muito amigos, formamos chapa para eleição da Diretoria do Grêmio da Escola e nas férias, eu frequentava a casa dele, que era ali na Rua Cônego Cassiano, logo no primeiro quarteirão, onde tinha um “larguinho”. A casa tinha um terreiro enorme, com muitas frutas. Estou falando do Gilberto Augusto Silva, filho de Dona Maria Aparecida Montandon Silva.
            Acredito que Dona Aparecida, teve dez filhos, sendo quatro mulheres e seis homens. Creio que o Gilberto era o penúltimo. Com certeza tinha três irmãs que eram mais velhas que ele. Dona Aparecida, sua Mãe, era muito espirituosa e brincalhona, e estava sempre alegre. Tenho a lembrança dela sempre sorrindo e brincando. Aí pelo final da década de 50, as três filhas já estavam namorando firme e acho que uma delas já estava até noiva. Ela então, sugeriu às filhas que, para os futuros genros se conhecerem melhor, ela faria um almoço e convidaria os três genros.
            E assim se fez. Ela preparou uma bela macarronada no domingo e convidou os futuros genros para o lauto almoço. Foram muito bem recebidos, ela, como já expliquei, sempre muito alegre e divertida. Sentou-se à cabeceira da mesa e fez questão de servir, não só aos futuros genros como as filhas também. Não estou muito certo, mas me parece que ela mandou os outros filhos almoçarem na casa de tios ou de outros parentes, para não estarem lá e não perturbarem a recepção, muito bem planejada, com cuidado e carinho.
            E ela os deixou muito à vontade, puxando os assuntos – ela era muito culta e  instruída – para que eles não ficarem tímidos, sem saber o que se poderia conversar. Enfim, ela manteve o controle total do evento mostrando-se uma anfitriã muito receptiva a agradável, para que eles ficassem sempre na zona de conforto.
            Terminada primeira etapa, isto é, o prato principal, ela foi buscar a sobremesa, que era um lindo pudim, grande para se comer à vontade, mas sem calda. Mas estava muito vistoso. Ela, novamente fez questão de servir a cada um dos futuros genros um generoso pedaço do pudim.  Cada um comeu seu pedaço e ela, perguntou se estava bom. Todos responderam que sim. Então ela educadamente ofereceu mais. O primeiro agradeceu, disse que estava satisfeito e ela sem cerimônia, lhe disse: “Estou vendo que você não gostou nada! Só falou que gostou para me agradar!” Ele logo disse que não, que estava muito gostoso e acabou aceitando mais um pedaço. Os outros dois percebendo que ela não os perdoaria, nem esperaram que ela fizesse o “mise en scène” e já aceitaram outro pedaço assim que ela ofereceu. E, segundo ela contava, teve um que ainda comeu mais um terceiro pedacinho, pela insistência dela.
            Terminada a sobremesa, ela se levantou e disse: “Vocês homens e namorados são mesmos uns fracos, fingidos e bajuladores (só faltou chamá-los de ‘bundões’). Eu derreti farinha de milho no café coloquei na forma de pudim e nem caldo eu fiz, para não adoçar, e vocês comeram e repetiram essa ‘porcaria’ de café com farinha de milho, só para me agradar! Seus puxa-sacos!” E caiu na risada, deixando-os constrangidos e extrovertidos ao mesmo tempo! Mas ela completava o causo dizendo que foi muito bom, porque eles se tornaram amigos dela de verdade, depois da “pegadinha” do pudim...

segunda-feira, 3 de julho de 2017

Ida para Cuiabá

Nicanor de Freitas Filho
            Outro dia me perguntaram por que eu fui morar em Cuiabá. Vou tentar explicar, sem citar nomes para não constranger ninguém.
            Trabalhei numa empresa por dez anos. Era Gerente de Exportação de uma das Unidades. A empresa tinha várias unidades. Quando começamos exportar os produtos dessa Unidade que eu trabalhava, já existia um Departamento de Comércio Exterior, que cuidava de toda parte administrativa e financeira – exportação e importação – da empresa toda. Analisava, Cartas de Crédito, fechava câmbio, conferia documentação, fazia toda a parte de Faturas Pro Forma, tratava também das importações, de maquinário e peças e até alguma matéria prima, enfim, tudo que chamamos de parte burocrática. Era gerenciado por uma senhora muito competente e que já estava na empresa há muitos anos. Meu Departamento cuidava só da área Comercial e Pós Venda. Isso era no final dos anos 70 e começo dos anos 80 e o Brasil vivia uma crise danada, mas o Governo Militar incentivava a Exportação. Logo outra Unidade começou a exportar produtos específicos dela e criou-se outro Departamento Comercial de Exportação. Mas a documentação também era feita pelo Departamento de Comércio Exterior.
            Nessa época foi contratado para a Superintendência do Grupo, um “Gringo”, que não falava muito bem o português e nem entendia muito da administração brasileira. Eu, teoricamente, não tinha nada a ver com ele, pois abaixo dele tinha um Diretor da Unidade, abaixo do Diretor um Gerente Geral de Marketing e Vendas, ao qual eu era subordinado. Mas não é que depois de uns tempos esse gringo vinha dar ordens diretamente para mim? Eu nunca gostei disso, e antes de tomar qualquer providência informava ao Gerente Geral ou ao Diretor da Unidade. Mas ele adorava “me encher o saco”. Fez-me fazer uma viagem ao Paraguai, quando eu estava de licença médica, com uma vista só, em 1983, por ter operado de catarata, com problema no olho direito, que ficava tapado, em decorrência de uma grande hemorragia, para fazer uma cobrança – que todos sabíamos – o problema era do Paraguai que não liberava os pagamentos ao exterior. Mesmo assim, interrompi a licença e fui. Não adiantou nada!
            Um dia ele reuniu os três gerentes dos departamentos ligados ao Comércio Exterior e disse que estava os unindo. Muito bom! Precisava mesmo ser unificado. E nós até entendíamos que a Gerente do Depto. de Comércio Exterior unificado, deveria ser a senhora que era  a mais velha e mais antiga de casa, conhecendo muito mais que nós.  Mas ele disse que não! Ela iria para Secretaria da Presidência, ou melhor, de toda Diretoria. Muito bem, então quem vai ser o Gerente? Não precisa definir, vocês se entendem. Afinal são só 14 funcionários e vocês conhecem todos e conhecem o que tem que ser feito, além de serem amigos! Tá bom ou quer mais?
            Na verdade eu sempre me dei muito bem com o Gerente Comercial da outra Unidade e fazíamos muitas coisas em conjunto. Mas assim, sem ter um responsável? Não! Não poderia dar certo. A partir daquele momento, fui conversar com meu Diretor – estava sem o Gerente Geral de Marketing – e me posicionei contrário àquela atitude estranha e totalmente fora dos padrões da empresa e da época. Os produtos da Unidade que eu trabalhava, estavam começando a cair no mercado internacional e mesmo no nacional, tanto que depois de quatro ou cinco anos a fábrica desses produtos foi vendida. Mas o fato é que eu passei a não me sentir bem, como me senti por dez anos. Era uma posição esdrúxula, sem chance de discutir o problema, pois meu Diretor era muito de por panos quentes e levar do jeito “maneiro” até ter uma solução.  Acredito que ainda fiquei por quase um ano levando a coisa assim, na esperança de resolver. Mas nada acontecia.
            Aí surgiu um motivo maior para me desestimular. O tal superintendente contratou um assessor para área de organização e métodos, que, entendo, foi instruído a me encher o saco pra valer. Pois ele só queria falar comigo, não tratava praticamente nada com o outro Gerente, meu colega.  Aí, pedi para meu Diretor me demitir, pois não queria ficar sem sacar o tal FGTS de dez anos. Ele disse que ia ver. Demorou quase dois meses e nada. Então cobrei e ele me disse que não tinha motivo para me demitir e demissão não era assim tão fácil, como ele explicaria à Diretoria, me dispensar sem motivo? Eu disse para ele que ia dar um motivo. Ele, me conhecendo bem, me disse para ir com calma. Na primeira vez que o assessor veio à minha sala para me “dar instruções” sobre novas normas eu simplesmente mandei-o para um lugar que ninguém vai, mas a gente manda, para demonstrar raiva ou desrespeito. Disse que estava muito ocupado e era para ir falar com o outro Gerente, pois eu cuidava só da parte comercial. Ele ficou sem reação, e, claro que foi falar com o superintendente.  Este, que provavelmente já esperava algo assim, foi direto no meu Diretor reclamar da minha “falta de educação”. No que ele aproveitou e disse, segundo me falou depois: “É o Freitas anda meio nervoso mesmo. Acho que podemos tocar o Departamento sem ele.” Mesmo porque, meu colega e eu, tínhamos preparado tudo para minha saída.
            Fazia tempo que tinha uns amigos de Cuiabá que haviam me convidado para administração de duas Construtoras e uma Imobiliária, pois ambos tinham lá em Cuiabá esse Grupo, para justificar residirem em Cuiabá, pois o que tinham mesmo para ganhar dinheiro eram suas fazendas. Uma delas com oitenta mil pés de seringueira.
            Para prestigiar meu amigo Valdemar Coimbra – colega de Muzambinho, do qual não tinha notícias há mais de 57 anos e descobri agora que está morando em Jataí – vou contar um pedacinho da minha viagem para Cuiabá, que se deu no dia 18 de maio de 1987 e tive que ir sozinho, pois minha filha estava no terceiro ano do ensino médio e não tinha como transferi-la no meio do semestre. Eu tinha um carro VW Gol BX cinza. O mais pé de boi que já tive. Para se ter uma ideia, tinha minha mala grande, para viagens internacionais que não coube no porta mala. Teve que ir no banco traseiro. Planejei sair pela manhã, para e almoçar na casa de meu irmão em Frutal-MG (500 km), descansar um pouco e dormir em Jataí-GO (mais 500 km). Tinha que dormir bem para enfrentar no dia seguinte os 700 km até Cuiabá. Correu tudo bem. Fiquei um pouco mais do que queria em Frutal, batendo papo com os familiares, e rumei para Jataí. Ficou escuro e eu não gosto de dirigir à noite, pois uso lentes de mais de 10º por causa da cirurgia de catarata que fiz, na época que ainda não se fazia implante de cristalino. Já chegando em Jataí, por volta das 20:30 h, sozinho no carro, pouco movimento na estrada, quando avistei as luzes de Jataí de cima de um morro. Nisso, iniciei uma descida e eu já fazendo as contas da hora que teria que levantar no dia seguinte, quando, na descida, sumiu a cidade da minha vista. Pensei comigo mesmo: deve ser um morro bem alto para tapar assim toda a cidade, que não consigo ver nada. Sumiu tudo. Ficou tudo muito escuro. Como estava com faróis altos, não tinha problema. Toquei em frente. A cidade não aparecia mais na minha área de visão. De repente vi que cheguei na cidade mas estava tudo escuro do mesmo jeito que quando vinha pela estrada. Verifiquei que já estava em uma avenida e vi dois senhores numa esquina. Parei e perguntei o que estava acontecendo. Um deles, educadamente, me respondeu que era um “apagão”, mas também não sabiam do que se tratava. Então perguntei por um hotel e me disseram que naquela mesma avenida três, quarteirões adiante, tinha o Hotel Rio Claro. E foi lá que fiquei. Tomei banho frio, por falta de eletricidade, à luz de velas, lembrando-me dos chuveiros das Escolas Agrotécnicas, sempre gelados! Mas logo depois do banho, voltou a eletricidade e pude descer para jantar. No dia seguinte levantei cedo e me fui, rumo a Cuiabá, onde morei por dois anos.