domingo, 27 de dezembro de 2015

Brasil e sua sina

Nicanor de Freitas Filho

            Desde que eu era uma criança sempre ouvia, meus tios, primos e amigos dizerem que “...o Brasil é o país do futuro!”. Sempre acreditei nisto, pois sou otimista por natureza. Principalmente porque, sendo muito pobre, fui internado numa excelente Escola Agrotécnica em Muzambinho e descobri que realmente, o Brasil “era” o país do futuro! Lá descobri que existia uma tal de Agricultura, que era a vocação do Brasil, principalmente nos primeiros ensinamentos dos professores da área Técnica, como Dr. Antonio Cobra, Dr. Lessa, Prof. Romário. O livro que o Dr. Antonio adotava, de capa verde e branca, da Editora Melhoramentos, tinha na primeira página: “O solo é a Pátria, cultivá-lo é engrandecê-la!” E continuo acreditando nisto até hoje, pois é isto mesmo!
            Quando já era mais velho um pouco, ainda antes da Revolução de 1964, li que o Presidente da França, Charles De Gaulle, disse: “...le Brésil n'est pas un pays sérieux.” Note-se que o Embaixador do Brasil na França entre 1956 e 1964, Carlos Alves de Souza, escreveu que a frase é dele e não de De Gaulle, mas ficou na história como sendo dita por De Gaulle. Devo acreditar nisto? Será que é isto mesmo?
            Mais tarde estudei Economia, e, dentro do Curso tem uma matéria, entre outras de igual valor, que se chama “Economia Política”. Nestes anos de Faculdade aprendi que a intervenção do Governo na Economia, só deve ocorrer dentro das políticas essenciais ao convívio, como Educação, Saúde, Segurança, Relações Exteriores, Meio Ambiente e parcialmente em Transportes, Economia (Receitas e Despesas Públicas), Previdência Social e outros. Também aprendi um pouco de Direito e nesta área, por exemplo, que os três poderes da República, devem ser independentes e harmônicos entre si. O que sempre entendi é que um Poder da República tem que seguir a Constituição e, principalmente, ser independente, embora harmônico com os demais. Aprendi também que o Poder Legislativo é bicameral, ou seja, é composto por duas Câmaras, uma representando o povo – a dos Deputados – e outra representando os Estados – a dos Senadores – mas que também devem ser independentes e harmônicas. Às vezes se juntam e formam o Plenário do Congresso. E na Constituição este fato é bem claro. E continuo acreditando nisto até hoje, pois é isto mesmo!
            Será que é isto mesmo? Sei não! Acho que fui otimista demais! Estávamos quase chegando no “futuro”, quase sem inflação, com câmbio flutuante, com os poderes trabalhando conforme manda a Constituição, com independência e harmonia, numa política de “retirada” do Governo das áreas que devem ser da iniciativa privada (telefonia, bancos, energia, estradas, aviação etc.), quando, de repente, apareceu um populista apedeuta, que entendia muito e tinha muita experiência em fazer as coisas, tipo assim, como são feitas nas “centrais sindicais”, na base de negociatas, peleguismo, conchavos, enganação, bravatas e muita mentira, bem na hora que o Mundo estava todo à nossa disposição para fazermos as coisas corretas e nos preparar, definitivamente, para entrarmos no Primeiro Mundo e deixarmos de ser “O País do Futuro”; mostrar nossa seriedade e provar que De Gaulle (ou o Embaixador Carlos Souza) estava errado. A Agricultura, que ia muito bem obrigado, foi desprezada e só se pensou em Mineração, Pré-sal e alguns ramos empresariais e empresários premiados para serem os campeões, sem nenhuma análise técnica correta e científica.  Foi feito exatamente o que ele sabia fazer: negociatas (BNDES), conchavos, peleguismo e muita enganação, criando um tal de “Mensalão” e depois o “Petrolão” para comprar os políticos desonestos, que se instalaram no Congresso e colocar nos Tribunais Superiores “amigos” que decidem sempre de acordo com o interesse do Executivo e dos “amigos” do Legislativo, que os apoiam! Ou seja, perdemos o bonde da história!
            Depois das discussões ridículas, com o Joaquim Barbosa, no Mensalão, o STF com novos Ministros indicados pelo Executivo e aprovados pelos Senadores, especialmente para este fim, aceitaram a rever os julgamentos dos “mensaleiros”, perdoando-os no que puderam. E agora, depois de mais duas ou três indicações de novos Ministros, chegamos ao ponto de um Ministro do STF, durante o seu voto, ao citar um artigo da Constituição, deixou de ler uma parte do mesmo, porque, exatamente esta parte, “desdizia” o que ele estava dizendo! É uma vergonha! E os outros Ministros foram com ele! Aliás, teve uma Ministra, que é tão “prolixa” – e a mentira é mesmo difícil de dizer – que não conseguia esclarecer se votava de acordo com o relator ou com o dissidente do voto do relator. Ela falava e ninguém entendia o que ela estava votando. Até que o próprio Ministro – que leu o artigo pela metade – lhe perguntou, claramente, se ela votava com ele...
            Meu artigo já estava escrito, hoje pela manhã, quando li, no Estadão o artigo do ex-presidente do STF, Carlos Ayres Britto, que vou reproduzir abaixo a parte que me interessa. Referindo-se às decisões do STF: “...mas errou, data vênia, em acumular no Senado Federal as competências para processar e julgar o presidente da República e ainda negar trâmite a juízo formal de admissibilidade da acusação eventualmente feito pela Câmara dos Deputados e sem a desobediência a formalidades legais elementares. Esquecido do advérbio de modo ‘privativamente’ que se lê tanto no artigo constitucional definidor das competências da Câmara quanto do Senado (cabeça dos artigos 51 e 52, respectivamente). A revelar que, na matéria, cada qual das Casas Legislativas atua em faixa própria. O que é privativo de uma Casa Legislativa é somente dessa Casa mesma. Não admite compartilhamento. Pré-exclui a competência de outra para deliberar sobre o mesmo assunto, em suma. Pouco importando que uma delas seja coloquialmente (não positiva ou normativamente) etiquetada como Câmara Baixa e a outra como Câmara Alta. Cada qual no seu quadrado, então, eis a decisão correta que deixou de ser tomada e com todo o respeito é que assim me pronuncio.”
            Então, “O solo não é mais a Pátria”, o “Brasil não é mais um país do futuro” – tem gente que já me enviou mensagem de Feliz 2019, porque 16, 17 e 18 já eram – definitivamente “...le Brésil n'est pas un pays sérieux.”

sábado, 5 de dezembro de 2015

Cativar

“É uma coisa esquecida. Significa ‘criar laços’...”
Antoine de Saint-Exupéry

Nicanor de Freitas Filho

            Dia destes, estava levando meu neto ao Clube, onde ele faz alguns esportes. Nesse dia, estávamos só nós dois no carro. Ele se queixou de dois colegas do Clube. Um deles é muito bonzinho, embora meio “gozador”.  Então eu tentava explicar para ele que, para se ter amigos de verdade, é preciso de cativá-los. Ele, dos seus 8 anos perguntou: “O que é cativá-los?”
            Comecei dizendo que cativar é respeitar e se fazer respeitar, é saber dividir as coisas boas de forma que todos saiam ganhando, é fazer o que os outros gostam mas fazer com que eles façam o que a gente também gosta... Ele me interrompeu: “Vovô, vamos falar de futebol? Isto está muito difícil!” Na hora eu me calei e naqueles minutos que ficamos pensando sobre o que conversar, eu fiquei decepcionado, por não saber explicar ao meu neto o que é cativar. Veio então uma vaga lembrança de uns 55 ou 60 anos atrás, quando li “O Pequeno Príncipe” de Antoine de Saint-Exupéry, que muito me marcou. Refiro-me à conversa do Pequeno Príncipe com a Raposa, que explicou claramente para ele o que era “cativar”. Mas não consegui, naquele momento, me lembrar exatamente da explicação da Raposa. Então passamos a falar de futebol e como ele tem boa memória, sabe a classificação, saldo de gols, número de vitórias e muitas outros dados importantes sobre os times, a conversa sempre flui. Então, de repente, ele disse: “Você viu quem é o novo Técnico do São Paulo? É o Doriva. Ficou na Ponte Preta só uns dois meses...Vovô, já foram mais de 25 Técnicos trocados e só tem 20 times no Brasileirão! Não é engraçado?”
            Aí, então eu disse para ele: “Os Técnicos não sabem cativar, os Diretores dos Clubes também não sabem... Todos deveriam saber cativar os jogadores, a torcida, os Diretores e os Técnicos... Deu para entender o que é ‘cativar’?” Ele respondeu: “Não Vovô, o que os Técnicos fazem é o normal, perde tem que sair...” Pensei, meu Deus, como essa Imprensa trata o assunto tão vulgarmente e naturalmente, que na cabecinha dele é normal trocar de Técnico, quando perde! Que pena! Poderia entender tudo isto de outra forma, mas infelizmente foi assim que ele aprendeu.
            Chegando em casa, fui procurar na estante “O Pequeno Príncipe” e fui direto para o encontro do Príncipe com a Raposa. Curiosamente ele faz a mesma pergunta várias vezes à Raposa: “Que quer dizer ‘cativar’?”Como o meu neto a fez. A Raposa, muito mais esperta que eu, depois de várias pequenas explicações finaliza dizendo que “É uma coisa esquecida. Significa ‘criar laços...’...Tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos.Eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens também necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo...conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros. Outros passos me fazem entrar debaixo da terra. O teu me chamará para fora da toca, como se fosse música...Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde às três eu começarei a ser feliz...” E finalmente, depois de cativada, conta-lhe o segredo: “...só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos... Foi o tempo que perdeste com tua rosa que fez tua rosa tão importante... Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.”
            Então eu li o capítulo, de onde tirei os trechos acima, para ele, no dia seguinte, que curiosamente ele aquietou-se para ouvir. Quando terminei, perguntei se queria ler o resto, claro que ele disse que não, pois já estava cansado de ouvir-me. Ele então se aconchegou, colocou o braço sobre o meu ombro e disse: “Agora eu sei. É só te fazer uns carinhos e obedecer direitinho, que a gente te cativa...” 
Falar o que?