domingo, 16 de fevereiro de 2014

Crônica 18 Centenária

                                                                  José Carlos Neves
                                                Centenária mulher, de passado adormecido;
                                                           Quantas histórias nele haverás vivido.
                                                           Em quantas guerras te haverás ferido;
                                                  A quantas gerações haverás parido.   (JCN)

        “Zé, eu pode ir no casa seu” (sic)? A pergunta não era uma demonstração de preferência habitacional, pois a fazia a todos os seus genros (por coincidência, todos Zés), mas a explicitação do desejo de, digamos, variar de ares e ambientes familiares. Apesar dos mais de 70 anos de Brasil, o seu português ainda tropeça a cada sentença que, esforçadamente, tenta encadear na comunicação com genros e nora gaijins, ou com qualquer pessoa que não tenha rosto oriental. Recatada, calada, discreta, ensimesmada, é a matriarca centenária de um clã que honra as tradições dos imigrantes japoneses que por aqui aportaram nas primeiras décadas do século passado. Nessa travessia do tempo, teve todo um centenário à sua disposição para cruzar dois milênios, dois séculos e muitas décadas. O símbolo de um século de vida transcende, em muito, o do seu aniversário, para tornar-se também um símbolo das relações históricas de dois grandes países como Japão e Brasil, nas suas forças produtivas, e na capacidade humana de miscigenação e assimilações culturais. Viveu a aventura  japonesa na invasão da China, e a Primeira Guerra Mundial, quando ainda morava no Japão. Já no Brasil, sofreu as consequências da Segunda Guerra Mundial - da qual seu país saiu derrotado -, seja pela perseguição imposta pela política do governo brasileiro, alinhado, por fim, com os aliados, ou por fanáticos patrícios que não admitiam a derrota de seu país e Imperador. Participou do fantástico progresso conhecido pelo mundo do pós guerra, quer seja como anônima agricultora, ou como mulher, esposa, mãe e respeitada cidadã da comunidade nipo-brasileira. Assistiu à chegada do homem à Lua, e à transformação cibernética da comunicação, o que dificultaria a sua própria com este maluco e estranho mundo novo.

        O meu amigo Trasmontano, com carinhosa admiração, olha atentamente para aquela delicada figura que lhe lembra alguma pintura de alguma gravura japonesa. Não veste o tradicional quimono que tantas vezes a viu usar nas tradicionais danças de  bom  odori. Está em trajes civis; várias roupas sobrepostas que a sua idade já exige para um frio de inverno tropical. Seu corpo já demonstra uma silhueta acentuadamente curvada pelo tempo e pela vida, e de uma estatura que parece já ter sido mais alta. Deixou de pintar seu cabelo, que agora se revela todo branco e muito mais charmoso que antes. Sua pele ainda não mostra rugas profundas como seria de esperar em sua idade. Seu rosto é vivaz e determinado, a contrastar com a sua frágil figura. Meu amigo olha para sua sogra, Sueko (filha mais jovem) Shinmyo, estranho som nipônico para a sua trasmontana origem. Neste país de predominante onomástica lusitana, muitos por certo terão confundido seu feminino nome com algum masculino. Isso acontece quase diariamente com a sua Eiko, pela terminação em (o). Ele já chegou aos seus 68 anos, mas diante do centenário daquela mulher, ele se sente ainda um jovem adulto, fascinado pelo que o seu tanto viver poderia carregar de experiência e conhecimento.

        É estranho como duas longínquas pontas do tempo, digamos a de 1914 e a de 2014, possam tocar-se através de um ser humano que viveu e uniu a ambas. É certo que hoje já não é um acontecimento tão raro encontrar-se homens e mulheres com mais de um século de existência, e com mais frequência ainda entre os orientais. Na própria família da sogra do meu amigo, ela é a segunda das irmãs, e seu pai e outra irmã tangenciaram o centenário com seus 99 anos. Isso faz de todos esses longevos seres um privilegiado grupo de não apenas coadjuvantes da História, mas eles mesmos a serem a própria História. É possível que a Sra. Sueko - ou Obaachian (avó), como todos a tratam em família – nem sequer tenha consciência dessa importância social e histórica. E ainda que tivesse essa consciência, ela jamais a reivindicaria para si, pois também  faz parte da História do seu tempo a sua condição de mulher de comportamento recatado, contido e submisso, no qual o brilho, o mérito e o mando eram reservados aos maridos, filhos, irmãos e sogros. Mas foi nesse aparente  recolhimento, para dentro de si mesma, que a sua força e a sua determinação ganharam importância fundamental no parimento das suas oito filhas e um filho - não tão poucos para seu frágil corpo -, nos  cuidados  e   na administração doméstica, na responsabilidade de cuidar todos os familiares no seu entorno, criar e educar os filhos, e ainda ajudar o seu Masatoshi nos intermináveis e cansativos trabalhos agrícolas. Socialmente, ela pode não ter crescido muito, mas, com certeza, nos seus 100 anos  de vida, ela ajudou muito no crescimento quantitativo e qualitativo da sua família, no desenvolvimento da comunidade japonesa e, com esta, no progresso deste país, que sempre recebeu bem imigrantes como meu amigo e sua sogra.

        Um século! Houve tempos em que este termo só fazia sentido para designar períodos históricos, pois só na literatura bíblica é que se encontram figuras religiosas, transmutadas dogmaticamente em humanas, com vivência superior aos 100 anos. O meu amigo não conhece nenhum registro de tais idades alcançadas antes do século XIX. E mesmo que os tenha havido, isso com certeza foi numa época em que o mundo à sua volta pouco terá mudado desde o momento do nascimento ao da morte. Ao contrário das mulheres centenárias de outros séculos, a sogra do meu amigo, durante o seu,  pôde assistir às mais grandiosas e diversificadas alterações no progresso humano, desde os primórdios da História. Em setembro de 2013, o Japão ultrapassou um pouco mais de 54.000 habitantes centenários, dos quais as mulheres ultrapassam as 48.000. Pobres homens! Por onde andará o tão propalado sexo mais forte? Com certeza, hoje andará na aparente fragilidade do corpo da Dona Sueko, legítima representante no Brasil da longevidade nipônica, e como de tantas outras bravas mulheres espalhadas pelo mundo, muitas delas depois de haverem vencido a miséria, a macheza do homem, o abandono familiar, o ato da parir, os preconceitos sociais e profissionais, as doenças, e algumas vezes até a morte, antes que esta as vença num último e bom combate.

        O meu amigo, para conquistar a sua sogra – afinal, não é qualquer um que tem uma sogra centenária -, estudou um pouco de japonês há quase  50 anos atrás. Já está quase todo esquecido, e ela tampouco evoluiu no seu português. Assim, a comunicação entre ambos continua com a mesma dificuldade de antes. É uma pena, pois com certeza ela teria muita História e histórias para contar. Como genro e curioso cronista do seu tempo, ele gostaria de conhecer  mais a sua alma, e o que nela guardou durante esses 100 anos. Quem sabe, nas páginas do seu diário secreto, algum de seus muitos netos ou bisnetos consiga descobrir nele o que significa viver um século. Enquanto isso, que viva outro século, ou quanto lhe for dado viver; que se rebele aos que impeçam que faça o que quiser fazer; que coma o que lhe der ganas de comer; que dance o quanto quiser dançar; que ralhe com quem achar que deve ralhar; que leia seus livros e jornais nipônicos quando lhe der na telha; que assista aos seus programas favoritos desde o Japão; que cante as muitas e belas cantigas da sua tão longínqua infância; que reúna, sempre que puder, toda a sua prole de filhos, netos e bisnetos, genros, nora e demais agregados; que estes a respeitem e lhe enalteçam toda a aura e sabedoria dos centenários; que, finalmente, se sinta leve e livre de todas as responsabilidades acumuladas durante seu primeiro século. A ela, vida ainda mais longa!

JCN – OUT – 2013 – jcneves45@yahoo.com.br

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Crônica 17 - À Espera de Amanda

José Carlos Neves
                                                     Quanto tempo ainda terei que esperar;
                                                       Quanto tempo ainda terei para te ninar. (JCN)

        Tum tum, tum tum, tum tum,... As batidas sincopadas saíam de uma ainda não bem definida cavidade toráxica como que a bombear vida para um minúsculo corpo, cujo comprimento não ultrapassava os 7,5 cm. A anatomia do corpo ainda não permitia ao leigo saber se seria feminino ou masculino. Porém, o médico, guiado pela estatística comportamental dos movimentos mostrados na ultrassonografia, assegurava ser o de uma menina, com mais de 90% de certeza. A imagem, aumentada e projetada numa tela de 42”,  já permitia perceber o fluxo e refluxo do coração, e um movimento quase imperceptível do que parecia um pé buscando apoio numa das paredes do útero, invadido que fora por tão indiscretas câmeras de precisão. Sim, ali nascia uma nova vida humana, gerada por outro par de  vidas, gerado por outro par que, por sua vez... Ali estava viva, e já denominada, Amanda.

        O meu amigo Trasmontano, sua mulher, sua irmã, seu filho e nora, pais de tão tenra vida, todos olham fixamente a tela da TV, sem piscar, como que hipnotizados por um misto de beleza, surpresa, alegria, orgulho, emoção, responsabilidade, e uma enorme ansiedade para que passem céleres  os 6 meses que ainda faltam para que aquele minúsculo corpo possa materializar-se fora da tela e do útero para os braços e abraços de todos. Se é verdade que a tecnologia de hoje nos tira muito da indescritível sensação de surpresa do ritual final do nascimento, também é verdade que a sua inestimável ajuda na prevenção de quase  todos os elementos que possam transformar-se em dificuldades futuras traz aos pais, ou responsáveis, mais tranquilidade e preparo para enfrentá-las, se preciso for. Pelo que agora se prognostica, e se Deus quiser, não será o caso da Amanda. Se depender do desejo de todos que ali estão reunidos, ela chegará com a sabedoria oriental; com a alegria e brejeirice latino-americanas; com a irrequieta ansiedade lusitana na busca de novos mundos, novas conquistas.

        Diz a sabedoria popular que os pais educam, e os avós deseducam, não importa qual seja a época ou a geração. Todos os ali presentes tiveram suas próprias experiências como netos, filhos, pais, tios ou tias, mas nenhum ainda  como avô ou avó. E é esta perspectiva que o Trasmontano vê agora diante de si como uma  ansiada realidade. Ele lembra da sua inteira infância sem mãe, e do pouquíssimo tempo com pai, e da quase inteira no convívio diário com seus avós paternos, ou maternos. Tem bem poucas lembranças de seu papel como filho-criança, mas muitas do carinho de seus avós, tios e tias, no mesmo período. A sua quase ignorância do mundo, como isolados aldeões trasmontanos, nunca lhes fez perder o mágico instinto de proteção aos netos que perpetuariam a sua continuidade geracional, e na qual podem resgatar toda a intrínseca e inata beleza da sensibilidade pater/maternal, às  vezes sem a responsabilidade dos pais de verdade; outras vezes, com ainda maior responsabilidade que eles, como foi no seu caso.

        O meu amigo não pode  auto avaliar-se como pai, pois só o seu filho poderá fazê-lo. Pensa que fez o melhor que as circunstâncias da sua vida familiar e profissional lhe permitiram, mas sempre lhe ronda a sensação de que poderia ter sido melhor. Agora, mais experiente, um pouco mais sábio e mais livre de outras responsabilidades, aguarda ansiosamente pelo momento de assumir o seu papel de avô. Não cabe em si de contente, e vive numa incontrolável expectativa de menino que irá ganhar um brinquedo desde há muito tempo esperado. Mesmo sem sequer saber como será a sua interação com Amanda, já se apossou dela e lhe faz planos de vida. Já mentalizou os livros que lhe dará e lerá; as músicas que lhe ensinará a ouvir; as peças de teatro que com ela assistirá; os concertos que se habituará a frequentar; as canções de ninar que lhe cantará; os longos passeios pelos caminhos da filosofia e da literatura; os museus que visitará; apresentar-lhe o belo através das artes; a educação formal a escolher; os valores da honestidade, da generosidade e solidariedade; da liberdade política, da religião, da moral e da ética a seguir; o respeito às suas raízes latinas e orientais, de seus pais e avós; a valorização do trabalho e esforço próprios; a convivência respeitosa com o próximo, independente de extrato social, racial, religioso ou político a que pertença; o mundo aberto à sua pertinência e ao seu conhecimento; enfim, talvez, fazê-la reflexo de um ser humano por inteiro, pelo que venha a ser, e não a ter. Tudo o mais que lhe falte, será delegado a seus pais.

     E assim, entre desejos, devaneios, sonhos e esperanças, o meu amigo Trasmontano prepara-se para uma nova etapa de sua vida, talvez a mais leve e prazerosa, porque sem o peso da responsabilidade das anteriores. Ao olhar para o pai, Cláudio, já adulto maduro, vê a projeção de um possível futuro neto; ao olhar a mãe, Kátia, já vê dentro dela a pequena Amanda; ao olhar a obaachian, Eiko, vê a sua parceira e cúmplice de sempre nos seus sonhos; ao olhar a tia-avó, Olinda, vê as suas próprias tias a cuidá-lo na sua orfandade infantil. Ao olhar todos, tenta adivinhar como será o seu rosto, e três possibilidades genéticas se apresentam: será inteiramente oriental? Inteiramente ocidental? Ou será mestiço como o do seus pais? Não importa! Importante mesmo é que tenha a cara da felicidade. Com certeza, muitos outros familiares se agregarão nas atenções, curiosidades e cuidados a que sua neta fará jus. Ela virá como mais um reforço de um pequeno exército de mulheres de um clã triangular, e é natural que por elas seja defendida, como ela futuramente as defenderá. A transmissão do ultrassom termina; a televisão é desligada. O meu amigo volta ao mundo real. Faltam apenas 6 meses, e avô e neta não perderão por esperar, pois terão ainda muita vida para  aprender, e ensinar-se, mutuamente, a viver.

JCN – NOV – 2013 – jcneves45@yahoo.com.br

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Crônica 16 Sou Feliz!


Claudia Fonseca de Freitas Saraiva
            Sou muito grata a Deus por toda felicidade que me proporcionou e me proporciona nesta vida!
            Talvez a melhor coisa que tenha me acontecido foi nascer, isto mesmo, simplesmente NASCER. As demais são consequências.
            Mas sempre acontece um novo fato na vida e acabamos por dizer “nossa, a melhor coisa que me aconteceu!...”. Assim sendo, melhor dizer, “está é a última melhor coisa que me aconteceu na vida!”
            Meus pais....não poderia Deus ter escolhido melhor. Deram-me amor, educação e proteção, e me ensinaram a caminhar por esta vida, no começo de mãos dadas, e aos poucos foram me soltando. Encaminharam-me e hoje sou assim feliz! E devo grande parte disso a eles. Dedicação ilimitada.
            Depois “esbarrei” com o Dady.  Este então foi escolhido, à dedo, por Deus com sua tamanha sabedoria. Ele só podia ser meu! Quantas qualidades, Lindo! Pessoa honesta, trabalhadora, grande jogador de tênis, marido, pai, mas com cara de bravo, (risos). Minha admiração profunda. Meu amor sincero. De quebra, aumentou minha família, meus sogros, minha cunhada, meu cunhado e agora minha mais nova afilhada Bruna. Fora isso, com ele, tive meus maiores presentes, e mais uma vez, “a melhor coisa me aconteceu na vida!”
            Descobrir que estava grávida em 2006 foi simplesmente indescritível. Uma felicidade incrível, que só quem teve um bebê no útero pode entender. Tudo fica leve, tudo fica alegre. Senti-me a melhor pessoa do mundo! Amava uma criatura que me chutava na barriga o tempo todo, que me tirava o sono, e eu nem sabia como era seu rostinho. Diverti-me demais e curti a gravidez toda, embora tenha passado muito mal com enjôos, o que não me tirou a alegria em um só momento. Cada coisinha pensada e feita com tanto amor esperando a chegada do Guilherme.
            Eis que nasceu o Guilherme em 04 de maio de 2007. Meu Deus, quanto amor, não sabia o que era isso! Ficava horas olhando aquele bebê e não me cansava. Parecia que nada mais existia no mundo, pelo menos, mais nada tinha tanta importância. A cada movimento dele eu vibrava mais que a primeira final da copa do mundo, que assisti, onde o Brasil saiu-se vencedor, nos pênaltis, e eu pude vibrar! Foram grandes vitórias ao lado do meu pequeno Gui.
            Com ele aprendi tanta coisa. Aliás, continuo aprendendo. Ele é inteligente e bonito como o pai, sorridente e feliz como eu. Tirador de sarro... E o amor só foi crescendo, se é que pode, porque já nasce infinito esse amor. Como foi difícil deixá-lo na escola nos primeiros dias, afinal ele era só meu, como dividí-lo? Sofri, foi difícil, mas passou e sei que foram ótimas as conquistas dele. Fez amigos, aprendeu a falar, a se comunicar, a ler e escrever, a jogar futebol (será?), a ser “gente”, a respeitar, entre tantas outras coisas. E como isso tudo é gratificante. Achei que nunca mais ia amar alguém assim.
            Mas o tempo passou senti a vontade e a necessidade de ter outro filho e dar à ele um(a) irmão(ã)....uma pessoa que fosse companhia e família para ele, além da mãe e do pai.
            E em 2009 eu engravidei, que felicidade! Mas passou, com 14 semanas de gestação acabei por fazer uma curetagem em decorrência de uma gravidez “anembrionada”. Sofri intensamente, quando descobri que não havia embrião algum dentro do saco gestacional, como sofri, chorei dentro de mim por muitos dias e noites. Apeguei-me mais ainda ao Guilherme!
            E em 2010 nova chance me foi dada. Novamente estava grávida. Tamanha era a alegria quando fiz o ultrassom e vi um coraçãozinho lá dentro batendo, mais uma vez digo, indescritível, só sentindo mesmo para saber. E mais uma vez eu podia dizer que a melhor coisa tinha me acontecido na vida. Todavia, aquele anjinho resolveu que não era a sua hora. E foi embora com cerca de 12/13 semanas. Foi ai então que eu desisti. Curti muito o Guilherme, muito mais ainda, porque eu posso dizer que tive o privilégio de ficar muito com meu filho, fizemos muitas coisas juntos, talvez ele não vá se lembrar quando crescer, mas eu jamais vou me esquecer de todos os nossos momentos. Era a maior felicidade da minha vida!
            E como tudo tem o lado bom e o ruim, penso que talvez eu o tenha sufocado com meu amor intenso, queria-o só pra mim, era tudo o que eu tinha na vida, era meu e pronto!
            Foi quando, num exame de rotina, em 2011 o médico me diz “gestação de cinco semanas....” (não vou relatar aqui tudo o que aconteceu naquele momento, até porque o médico que realizava o exame deve ter me achado uma louca, em último grau, diante da minha reação). Insisti que não poderia ser, afinal estava evitando, e é melhor parar por aqui neste tópico (risos). Deixo para relatar em outro momento, porque hoje dou risada do que aconteceu.
            Na verdade, naquele momento, senti um misto de felicidade intensa, mas com tamanho medo de vir a sofrer, novamente, que eu não sabia se ia aguentar. Susto! Medo! Foram sensações e sentimentos que caminharam juntos com o “mais novo melhor acontecimento da minha vida!”
            Tenho comigo que nossas famílias também tinham receio de um eventual novo sofrimento, mas de outro lado acredito que cada um no seu cantinho rezou e pediu muito a Deus para que esse fosse um momento de pura felicidade.
            Quantos exames, quanta prevenção, quanto cuidado e carinho da minha médica, que comigo já tinha sofrido também. E assim os dias foram passando... Curtia muito o Gui, e uma nova barriga que foi crescendo, e, se de um lado a sensação de que demorou, em razão da ansiedade, para que tudo desse certo, de outro lado passou rápido demais porque o Guilherme preenchia meu dia com sua alegria!
            Susto! Dia 19 de dezembro de 2011, cerca de 29 semanas de gestação, um sangramento considerável. Acudida pelas meninas que trabalham comigo, que prontamente me levaram para a maternidade, tão aflitas quanto eu, mas tão rápidas e diligentes quanto uma ambulância e seus médicos. Imensa gratidão! Foram momentos desesperadores, mas um alívio enorme quando ouvi aquele coraçãozinho batendo!! E batia muito!! Chorei muito, mas de felicidade e alívio. (minhas amigas e minha mãe também choraram eu creio!)
            Ansiedade sem fim, contando dia a dia, semana a semana.
            36 semanas de gestação, ufa ! tudo estava indo bem.
            Passei um sábado no clube, cansada com o peso da barriga, e minha Camilinha que chutava mais que qualquer jogador de futebol em treino intenso.
            Acordo no domingo, ainda muito cedo, com dores e “contrações”, creio que um pouco descontrolada. E corremos para a maternidade. Nós três, o Dady, o Gui e eu! E ali encontramos meus pais, bem na entrada.
            Prontamente atendida pela médica que se encontrava no hospital, escuto-a dizer ao telefone, para minha médica, que eu estava “descompensada”, e apesar da dor, pude entender perfeitamente o significado e ficar bastante irritada com isso. “Descompensada?” Descompensada era ela que não sabia a dor e o medo que eu sentia naquele momento!
            Depois fui saber que “descompensada” significava que as contrações que eu tinha não eram compatíveis com meu estado e minha dor. Ah ta. Então ta explicado.
            Sala do parto. Meu Deus! Minha filha vai nascer prematura! 36 semanas. As médicas cuidadosas e carinhosas, principalmente porque tinham acompanhado TODOS OS ACONTECIMENTOS.
            De repente, ali deitada, anestesiada, e percebo as caras de  “algo está errado”. Susto ou pânico (não acredito que médicos sintam pânico, pois lidam com fatos inesperados frequentemente, mas era o que eu podia ver, naquele momento, nos olhares trocados entre eles (depois soube que minhas dores eram decorrentes de um grande coagulo que ali se formou, e a possibilidade de ter causado uma hemorragia, mas deixa pra lá, não devem ser relatados) ansiedade, momento tenso, muita oração, e de repente, palavras doces da assistente da médica para me preparar e tranquilizar caso houvesse qualquer procedimento ou conduta diferentes do padrão “parto”, em razão das consequências do coagulo, que até então, eu nem tinha conhecimento.
            BUÁÁÁÁ, o melhor dos choros que pude escutar em toda minha vida!! A Camila nasceu!!
            Também fui capaz de ver a cara de alívio de cada um deles que estavam ali comigo naquele momento mágico. E diante da tensão ali instalada, o clima foi descontraído quando o anestesista me disse “como ela é linda”!! Linda!! Isso mesmo, linda, toda amassada, e inchada, mas era a menina mais linda que eu já tinha visto, e novamente aquele imenso amor tomou conta de mim. E mais uma vez, podia dizer  “a melhor coisa que me aconteceu na vida!”. Nasceu forte e saudável. De prematura não tinha nada! Tanto que saímos juntas da maternidade! E nisso já se passaram dois anos.
            Sim hoje é aniversário da Camila! Dois anos. Como ela é linda e graciosa. Independente, quer fazer tudo sozinha. Ela é charmosa. Ela é brava. Ela é amorosa demais. Tinha em meus pensamentos que nunca mais sentiria aquele amor que sentia e sinto pelo Gui, e de forma instantânea nasceu o amor pela Camila, tão grande e igual. Parabéns minha filha querida. Como é possível amar tanto duas pessoas que mudam completamente a vida da gente.
            Faz-me tão bem e tão feliz ver o amor que o Guilherme sente pela irmã Camila, e o amor que a Camila sente pelo irmão Guilherme.
            Como é grande o meu amor por eles.
            E enfim, essas são “melhores ‘coisas’ que aconteceram na minha vida”!
            Grata a Deus, porque tudo acontece na hora certa!

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Crônica 15 Hoje...


            Claudia Fonseca de Freitas Saraiva

            Simplesmente quinze anos se passaram. Um dos momentos mais tristes pelo qual passei. Pois bem. Os dias vão passando, assim como as semanas, os meses e os anos... A vida retoma sua rotina, e, alterna bons acontecimentos assim como momentos tristes por vezes. Mas algo não muda. Algo permanece.
            A Saudade! E essa sempre intensa!
            “Saudade é algo que fica de alguém que não ficou”, nem sei de onde vem essa frase, mas sempre a escutei e talvez hoje eu saiba seu real significado.
            Saudade dos bons momentos, do abraço caloroso, da palavra doce e amiga.
            Saudade do cabelo esvoaçante.
            Saudade do sorriso.
            Saudade das boas risadas juntas.
            Saudade dos segredos contados.
            Saudade de tanta coisa, de tudo que juntas vivemos, apesar da distância física.
            A saudade é boa, mas dói!
            É, a vida nos proporciona momentos tristes e inesperados. Não sei por quê. Talvez para que possamos amadurecer e trilhar novos caminhos em busca do “viver” aqui, algo maravilhoso que Deus nos proporcionou.
            Sim, porque hoje, depois de muitos anos de questionamento, acredito que lá de cima, as “estrelas” querem o nosso bem e desejam a nossa felicidade.  Sim, porque hoje, creio que não sou ninguém para questionar os acontecimentos que me entristecem, mas confesso que como ser humano com intensos sentimentos, questionei por vezes o porquê disso. Sim, porque hoje, ainda sou capaz de ouvir meu tio, também já falecido (de quem, igualmente, sinto saudade) dizendo para minha mãe aqui, na cozinha de casa, sentado à mesa, nesse mesmo dia há 15 anos: “Maria, Deus me deu ela por 20 anos e tenho que agradecer por isso.”
            Quanta sabedoria num pai que acabara de perder a filha. Momento cruel que jamais imaginaria ver meu Tio passar.
            Assim, reflito por vezes sobre essa frase. Se me pego triste e enfurecida com Deus por ter levado nossa querida Livinha, logo penso no meu tio e nas sábias palavras e procuro me confortar e acreditar que aqui ela ficou de acordo com o tempo que Deus achou que era necessária sua presença conosco.
            E apesar de hoje administrar melhor a situação, sinceramente, há algo que “fica de alguém que não ficou” e que foge do domínio de qualquer ser humano com sentimento de amor....
            Saudade de você Livinha!
            Saudade também do que não vivemos juntas. Muita coisa ainda estava por vir.           Mas daí de cima você acompanha tudo não é mesmo? Tenho certeza que sim. Aliás, se bem a conheço, em muitos momentos dos nossos cotidianos, da correria da vida,  dos nossos tropeços e acertos e dos nossos momentos felizes pelo quais passamos, você nos acompanha e dá boas risadas!
            Triste pela falta que você faz!
            Feliz por ter tido você, por ter pegado você no colo!
            Saudade eterna!