José Gamaliel
Anchieta Ramos
Houve
um tempo, pouco antes de sua morte, que ele se acomodava na varanda do
apartamento para me contar causos. Com total expressividade criava modos e
trejeitos próprios para imitar o “Padre Italiano da Ventania”, “Mané
Frangueiro”, “Donana”, “João Gravata”, “Tié do Pio”, “Bunda de Couro”, “Dona
Bem”, “Miguê da Romana” e tantos outros tipos inéditos de seus contos.
Quanta lembrança de meu pai!
O seu forte eram os casos populares ou as invencionices
das pequenas cidades do interior onde viveu. Menos o causo de nossa despedida,
este que ouviu um humorista narrar na televisão.
Varginha, antes Princesa do Sul de Minas, passou a ser
conhecida como a “Terra do ET”, a partir do elevado número de relatos e
testemunhos de moradores do município sobre uma possível série de aparições de
OVNIS – Objetos Voadores Não Identificados.
No início de 1996, jornais, revistas e tevês informavam
que a cidade estava sendo invadida por seres extraterrenos. Sensacionais
notícias que receberam enorme destaque.
Pensando bem, estas ocorrências enigmáticas deixaram
vestígios muito convincentes. Tudo levava a crer que depois disso os limites de
Minas Gerais, já considerados extensos, tinham sido ampliados rumo ao infinito.
Nesta ocasião, foi divulgada
a desmontagem da fraude. De nada adiantou, porque permaneceu a marcante
impressão do impacto inicial causado pela notícia.
Em função dos misteriosos fatos um momento de forte
tensão tomou posse do meio urbano e rural em que viviam. Durante a semana
parece que tudo o mais não acontecia, todos insistiam em falar tão somente dos
visitantes de fora da Terra.
Mas não é por tais rumores que Compadre José Vieira ia
deixar de reunir em sua fazenda os amigos para o tradicional jogo de truco.
Ora, ora, nem pensar em uma coisa absurda como essa!
Não tinham o menor medo de um perigo imaginário. Ao
contrário, faziam graça daquilo. Extraterrestre para cá, extraterrestre para
lá, eles falavam nisso a toda hora, nas diversas rodadas, até quando iam
insultar o adversário, naquele tipo de provocação muito natural do jogo.
Valter Cipriano, rico fazendeiro da região, naquele
sábado estava entre os participantes da jogatina. Em torno de cinco horas ele
passou jogando, meia-noite e tanto se despede de todos, entra na D20 e vai
embora.
Bem no meio do caminho de casa aconteceu algo que não
esperava, mesmo sendo bastante nova, a caminhonete parou. Várias vezes acionou
a chave da partida, mas as tentativas foram em vão, não ligava. De fazenda
conhecia tudo, como ele gostaria de entender também do funcionamento desse motor,
mas não sabia nada. Dormir ali desacomodado seria a pior idéia. Por fim, deixou
o veículo na estrada, abandonado. Em seguida, marchou a pé em direção a sua
fazenda.
Seu Valter, muito acostumado a andar unicamente de carro,
não estava nem um pouco preparado para curtos percursos, quanto mais para
longas caminhadas. Sem outra maneira de tornar para onde viera, ele mesmo,
teria a obrigação de arrastar cento e tantos quilos, quase uma légua no escuro,
mesmo sendo um extraordinário sacrifício.
Assim que entrou na estrada de terra, lembrou-se da
matinha logo mais adiante, famoso palco de muitas histórias de ações das
sombras. O poderoso dono das terras em que pisava, de muitas outras e de
incontáveis cabeças de gado, jamais sentiu pavor, nem de longe, muito menos de
perto.
Fazia uma noite sem o menor sinal de claridade. As nuvens
encobriam todas as estrelas, até a lua estava ausente do céu sul mineiro.
Assim, nada via, talvez fosse incapaz de diferençar alguma forma na escuridão
total. As trevas em que tinha o infortúnio de vagar estavam rodeadas por um
silêncio profundo.
Embora estivesse todo aterrorizado e bastante entregue ao
cansaço, o homenzarrão seguia em frente. Aquela alma sertaneja já estava com o
corpo arrepiado da cabeça aos pés. Os nervos se encontravam muito abalados, já
não eram mais os nervos do frio imperador, do dono de muitos bens, tão senhor
de si. Bem ali, a estreita estrada dividiria ao meio o capão de mato. Naquela
altura caminhava com o passo amarrado, como quem não queria ir adiante. Afinal,
nunca havia enfrentado uma situação aflitiva igual àquela.
Estava nesse clima de horror quando chegou à matinha.
Para aumentar ainda mais o pânico, bem no meio do escuro completo, surgiu de
repente certo clarão de luz, que aumentava e diminuía, que... De imediato, o
boiadeiro a si perguntou:
─ Pai do céu, que luzinha estranha será esta? Meu Deus será
o ET?
Nessa hora, como tinha sempre uma grande coragem, firma a
vista na direção da maldita luz que continuava a aumentar e diminuir, de modo
insistente. Após caminhar rumo ao foco luminoso, já de arma em punho resolveu
dizer uma frase. Com os olhos arregalados, aproximou-se mais um pouco e repetiu
a mesma sentença. Não houve resposta.
O destemido senhor chegou ainda mais perto, momento em
que percebeu dois braços enormes esticados. E no limite de sua ansiedade, pela
última vez, aos berros, naquele momento, disse:
─ Aqui é o Valter Cipriano, fazendeiro da região, pra o que
dé e vié, comunicano, comunicano!
Então, bem no meio do foco de luz, saiu em um apavorado
tom de voz, a seguinte comunicação:
─ Aqui é o Dito Baiano, capatais do lugá, às suas orde,
pitano e cagano!