sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Feliz Natal e Feliz 2015!

Caros amigos,
Não tive tempo de fazer uma mensagem própria para este Natal. Assim, vou aproveitar esta, recebida de um grande amigo, mas que diz muito. Vamos pensar se estamos mesmo comemorando corretamente o Santo Natal! 
Desejo a todos um Feliz Natal e um 2015 com menos corrupção, e mais cadeia para os corruptos e corruptores!
Boas Festas!

Nicanor e Família




P.S. Tem o crédito no final do filme

domingo, 27 de abril de 2014

Esportes 10 Homenagem póstuma a Luciano do Valle


(O melhor grito de gol da TV Brasileira)
Alcino de Freitas
            Recentemente escrevi aqui no Jornal Interação um artigo intitulado “Nossa melhor Seleção está quase toda no céu”. Justamente após o falecimento do nosso capitão de 1958, Hideraldo Luiz Bellini, o primeiro a levantar a taça do Brasil campeão mundial de futebol na Suécia. E realmente nossa seleção campeã quase toda já partiu. 
            Sábado, 19, quem partiu foi o melhor locutor esportivo da televisão brasileira, Luciano do Valle Queiroz. Natural de Campinas, nascido no dia 4 de julho de 1947, onde iniciou sua carreira como locutor esportivo na Rádio Central. Acredito que lá no céu, onde os nossos craques estão jogando o melhor futebol do mundo, estava faltando um narrador. Vieram buscar justamente o nosso melhor, o Luciano do Valle. Um locutor de voz marcante, lúcido, genial, narrava com uma emoção peculiar. Era o grito de gol mais bonito da televisão, sem dúvida alguma. Faleceu justamente no sábado em Uberlândia, quando, no domingo, transmitiria a partida entre o Clube Atlético Mineiro x Esporte Clube Corinthians, abrindo a primeira rodada do Campeonato Brasileiro de 2014. Aos domingos, não teremos mais o Milton Neves anunciando pela TV Bandeirantes:- “Luciano do Valle, o gol mais bonito da televisão”.  
            Luciano faleceu aos 66 anos, no Hospital Santa Genoveva, em Uberlândia de infarto, após passar mal no avião em que viajou de São Paulo para a Cidade Sorriso no Triângulo Mineiro. Além de narrador, Luciano, era um homem inteligente, criador de valores, foi o criador do “Show de Esportes” da TV Bandeirantes.  Lançou Adilson Maguila Rodrigues no Box. Foi o ícone da geração de vôlei masculino e feminino na década de 80. Lançou Rui Chapéu como o melhor jogador de sinuca do Brasil. Criou a seleção de Máster e foi técnico da mesma. Narrador das corridas de Fórmula 1, pela Rede Globo, passou pela Record e, já tinha completado 50 anos de carreira em 2013. Deixou-nos nas vésperas de uma Copa do Mundo em nosso país. Foi sepultado no domingo, 20, no Cemitério Parque Flamboyant no Jardim das Palmeiras  em Campinas.
            Os torcedores brasileiros realmente lamentam esta perda irreparável.
            Luciano, que sua alma descanse em paz!

(Publicado no Jornal Interação, de Araxá-MG, no dia 24/04/2014)

sábado, 19 de abril de 2014

Crônica 23 Monólogo ao Espelho

                                                                
José Carlos Neves
 Quero pensar em mim, fora de mim;
                                                           E achar-me, onde jamais me procurei.  (JCN)

---- Porque me olhas assim? Pareço-te estranho; talvez um ET; um fantasma; ou terei a braguilha aberta?

---- Sinceridade!? Eu também quero saber quem sou. Não sei se sou real, ou uma ficção. Sinto-me enredado em muitas histórias que realmente vivi, mas que eu não escolhi viver; e nem sei porque fui parar nelas.

---- Ei, tu! Sim, tu! Acho que te conheço de algum lugar, mas não sei de onde. Esta merda de memória me prega cada peça! E o que me falta é peça! Um parafuso, talvez? Anda! Ajuda-me a abrir este arquivo.

---- Já sei; eu não tenho mais memória; só uma vaga lembrança. Mas tenho a sensação de que nos conhecemos a vida toda. Sinto que em algum momento me sequestraste, e que passei a depender de ti; estranho é que  eu gosto de ti, e  dessa dependência. Estarei com a síndrome de Estocolmo?

---- Sei lá! Tenho certeza de que já andamos por lá; e também por muitas outras cidades e países, próximos e longínquos; de cá, de lá, daí, de acolá, de todos os continentes.

---- Então!? Diz-me quem és! Liberta-me ou mata-me. Não quero deixar-te, mas não quero ser teu prisioneiro. Quero ter minhas próprias aventuras, viver minhas experiências, buscar meu próprio saber. Podes até seguir ao meu lado, mas não me tuteles mais.

---- Olha! Ainda não sei quem és, mas vou lembrar-me logo, logo. Portanto, é melhor que te apresentes por ti mesmo. Não estendas mais esta estúpida angústia de te pertencer, e não saber quem eu sou; ou quem tu és.

---- Ahh, lembrei de uma coisa: tu me tratas por meu amigo Trasmontano. Será um nome próprio, ou será um adjetivo gentílico? Acho que o termo me recorda algo mais; assim como trás...trás-os...Trás-os-Montes!!!

---- Então é isso!? Ei, não saias à francesa, não. Volta aqui! Senta aí, e ouve-me! Não é porque me descobri, que acabou a tua missão. Isso! Assim é melhor. 

---- Agora estou a perceber, pá! Eu não passo de um personagem das  tuas crônicas; de crônicas que eu não escrevi; e que só vivo nelas porque tu me inventaste, e me prendeste nos teus enredos e vivências. 

---- Mas, explica-me lá! Que eu me lembre, já viajamos juntos por cerca de 50 crônicas, e nunca assumiste nenhum protagonismo pessoal nelas. E olha que eu conheço muitos outros textos teus, nos quais, sim, tu és tu. Então, porque raios eu tenho que carregar as tuas histórias?

---- Já sei! Nas crônicas, tu não precisas dar-me voz. És um narrador das minhas vivências reais, então sou o que quiseres que eu seja. E como sou um simples trasmontano, como tu, achas que posso agir, e representar todas as tuas virtudes e defeitos (mais destes que daquelas), sem reclamar.

---- Agora entendo porque nós, personagens, somos tão explorados por vós,  autores. Se não tiverdes sucesso, a culpa é nossa porque não saímos do  nosso anonimato, e não soubemos crescer em vossas obras. Entretanto, se ganhardes um Nobel, o mérito é todo vosso porque nos criásteis já estrelas.

---- Não, não te sintas mal, pois sei muito bem que não ganhaste um tostão furado comigo. E como ganhares, se me tens escondido? Excepto a alguns amigos próximos, nunca me apresentaste; não sei se por vergonha de mim, ou de ti mesmo. E amigos não se arriscam a ser arautos da mediocridade.

---- Nunca terás teu milhão de euros por seres um Nobel. Há vários que conheceste pessoalmente, antes de criar-me, como a Eco, Llosa, Saramago, Marques, Paz. Então, eu seguirei apenas com milhões de quirelas e outras tantas mazelas, tuas e minhas, que terei para carregar.

---- Bons tempos aqueles em que fizeste tantas viagens com e pela literatura. Quase 30 anos, lembras-te? Vivias dela, mas nunca te atreveste a escrevê-la. Talvez por timidez; por insegurança; ou falta de valor mesmo!

---- E agora, que estás tão longe do mundo literário, tu me inventaste para seguires perto dele. Sou o teu elo com a literatura; e por isso te vejo mais perto de mim. Tu também me necessitas. Não sou apenas mais uma bengala para apoiares as tuas dúvidas e inseguranças.

---- As coisas agora estão claras p'ra mim. Como meu criador, sou a tua alma; sou o que tu foste, ou querias ter sido; sou como és, um ser vivido, experiente, envelhecido e cansado. Se depender de mim, serei o que ainda fores, na tua vida ou na tua literatura.

---- Fomos, somos e sempre seremos uma fusão de mentes e de caráteres, a confundir o que seja real ou ficção. Não sabemos mais quando és tu; quando sou eu. O mais provável é que tenhamos um só corpo e uma só alma.

JCN – ABR – 2014 – jcneves45@yahoo.com.br

domingo, 30 de março de 2014

Esportes 9 Nossa Seleção está quase toda no céu.


Alcino de Freitas.
            Costumam dizer que Deus é brasileiro, e eu acredito. O título de penta campeão mundial de futebol só o nosso país obteve. E olhe que, nos primeiros mundiais disputados o negócio era bem bagunçado. Em 1950, quando perdemos o título para o Uruguai dentro do Maracanã, aqui no Brasil, a decepção foi geral. Era preciso mudar alguma coisa para melhorar. Disputamos mais outra Copa em 1954, e outra vez, provamos que tínhamos um bom time, porém faltava organização. Foi então que, em 1958, convidaram o Dr. Paulo Machado de Carvalho, homem da imprensa brasileira, para comandar a nossa Seleção. E ele tornou-se o “Marechal da Vitória”. O Brasil conquistou pela primeira vez, na Suécia, o cobiçado título de campeão mundial .
            Todo este preâmbulo, para chegarmos aos nossos craques que, estão sendo chamados, lá no céu, pelo Senhor. Foram tantos os chamados que perdi a conta. Na semana passada foi à vez de Hideraldo Luis Bellini. Um zagueiro de estilo vigoroso, um líder nato. Bellini entrou para a história do futebol mundial ao erguer a Taça Julies Rimet, no Estádio Rasunda, em Estocolmo, depois da goleada de 5x2 do Brasil, sobre a Suécia, no jogo decisivo do mundial. Nasceu em Itapira-SP; no dia 21 de junho de 1930. Bellini foi o capitão da primeira Copa do Mundo que o Brasil conquistou em 1958 na Suécia. Na época era zagueiro do Vasco da Gama, foi ele que eternizou o gesto de levantar a taça, que os capitães de todas as seleções campeãs do mundo, passaram a repetir. Chegou à Seleção do Brasil jogando pelo Vasco, passou pelo São Paulo e encerrou sua carreira, atuando pelo Atlético Paranaense, em um dia que jamais se esqueceu. Dia 20 de julho de 1969, o dia em que o homem pisou na lua pela primeira vez. Naquele ano, juntamente com Djalma Santos, também bicampeão do mundo pela Seleção Brasileira, Bellini foi campeão paranaense.  
            Conta Bellini: “Não pensei em erguer a taça, na verdade não sabia o que fazer com ela quando a recebi do Rei Gustavo, da Suécia. Na cerimônia de entrega a confusão era grande, havia muitos fotógrafos procurando uma melhor posição. Foi então que alguns deles, os mais baixinhos, começaram a gritar. Bellini, levanta a taça, levanta Bellini. Foi quando eu a ergui”.
            Casado com dona Gisele por 42 anos, e tiveram dois filhos: Carla e Junior, filhos dos quais Bellini e Gisele se orgulham muito.
            Bellini disputou 57 jogos pela Seleção Brasileira. Conquistou: 42 vitórias, 11 empates e 4 derrotas.
            Clubes pelos quais jogou: Atlético Sanjoanense, Vasco da Gama, São Paulo e Atlético Paranaense.
            Títulos pela Seleção Brasileira: Copa Roca (1957 e 1960).
            Taça Oswaldo Cruz: (1958, 1961 e 1962).
            Copa do Mundo: (1958 e 1962).
            Taça Bernardo O’Higginis: (1959) e Taça Atlântico (1960).


(Artigo publicado no Jornal Interação, de Araxá-MG, no dia 27/03/2014)           

terça-feira, 25 de março de 2014

Crônica 22 Estou Indignada!


Claudia Fonseca de Freitas Saraiva
            A notícia não é de hoje, mas ainda não saiu da minha memória.
           Para mim inexplicável o ocorrido: Pai que bate em seu filho de apenas 8 anos, por cerca de duas horas, culminando com a perfuração do fígado e a consequente morte do pequeno, inclusive com afirmação em seu depoimento de que batia frequentemente no filho.
            Motivo: a criança gostava de lavar louças, e o “corretivo” tinha como finalidade fazer com que o pequeno tivesse atitudes de “Homem”. (Veja notícia:
            Que h-o-m-e-m é esse?
            Refleti muito e ainda continuo indignada com a atitude desta pessoa... (pessoa???)
            Pensei: “ – tenho um filho de seis anos e uma filha de dois. O que é necessário ensiná-los para que sejam verdadeiros ‘Homem’ e ‘Mulher’?”
            Começo avaliando meu mundinho... A sala da minha casa está sempre uma “bagunça”, carrinhos de “meninos” e bonecas de “meninas”, bolas de “meninos” e panelinhas de “meninas”, e por aí vai... Mas seria essa a maneira de descrever os brinquedos, considerando serem apenas duas crianças, que por razões obvias, ainda não tem discernimento para saber o que é brinquedo de “menino” e de “menina”, menos ainda o que  é “Homem” e o que é “Mulher” e suas diferenças? Detalhe, ambos brincam com TODOS os brinquedos e JUNTOS, e eu como mãe AMO MUITO TUDO ISSO!
            Diante da notícia, me lembrei destas férias de janeiro: minha filha tem uma pia que sai água para lavar os pratinhos e talheres. Nossa, agora no verão esse brinquedo foi sucesso garantido, tanto para minha filha como para meu filho. Aliás, posso dizer que meu filho, “Homem”, de seis anos, curtiu mais que a irmã, a “dona” do brinquedo.
            Ele estava adorando lavar louças.
            Evidente! Que criança não gosta de mexer com água? Fora a bagunça com a espuma que vai se formando. Delícia! Divertimento garantido. Acredito que a curtição estava em brincar com a água, para lavar qualquer coisa, não só as pequenas loucinhas que talvez não estejam catalogadas nos brinquedos destinados aos meninos “Homens”.  E posso afirmar que em nenhum momento passou pela cabeça do meu filho tratar-se de brincadeira “proibida” para meninos e eventuais consequências na sua vida adulta. (a deturpação está sempre na cabeça do adulto!)
            Aliás, eu como mãe, estava vibrando ao vê-los brincando, folia completa. Ademais, penso que das brincadeiras vão surgindo os ensinamentos para a vida, bons ou ruins.
            Mas que mal há em lavar louças?
            Oportuno mencionar a capa da Veja São Paulo, de 12/02/2014, apareceu a foto do Sr. Sílvio Santos lavando louça, com a chamada: As distrações na casa em Orlando: lavar louça e assistir a 54 capítulos de Breaking Bad”.
            Como mãe, pretendo criar meus filhos, tanto o “Homem” como a “Mulher”, da mesma forma, mesmos ensinamentos, mesmos valores, a mesma educação, a mesma visão sobre a vida. Afinal são dois seres humanos antes de serem “Homem” e “Mulher”. Criaturas de Deus. E desejo que sejam bons igualmente.
            Desejo que meu filho seja um “Homem” e tanto, daqueles que abre a porta do carro para a namorada ou esposa, que a deixe passar na frente ao entrar em um restaurante, que na calçada a deixe andar pelo lado de dentro, gentilezas que decerto, muitos “homens” não as possuem; que seja uma boa pessoa, honesto, íntegro, educado, de bem com a vida e quem sabe um grande pai, capaz de ensinar seu filho a lavar louças também!
            Assim, posso ficar despreocupada e aliviada por saber que será uma PESSOA do bem e capaz de qualquer feito, inclusive os domésticos, indevidamente intitulados como de “Mulher”, de forma que se PRECISAR lavar a louça não terá dificuldade alguma em lidar com e essa situação, e que fique bem claro, poderá agir naturalmente sem medo de deixar de ser “Homem” por isso.
            Aliás, quantos aos feitos domésticos, meu filho já tem desenvolvido algumas delas como arrumar a própria cama, bem como arrumar a mesa para o café da manhã nos finais de semana.
            Logo, lavar louça também será um dos tópicos dos futuros ensinamentos. Lavar a louça sim, porque NÃO é isso que vai torná-lo mais ou menos “Homem”. Vai apenas fazer dele um “Homem” melhor!
            Se hoje, as mulheres são responsáveis pelo lar, em todos os sentidos, porque além dos afazeres domésticos, também contribuem financeiramente em prol da família, também levam o carro para abastecer, para reparo em oficina, fazem consertos em casa, usam furadeiras, carregam sacolas pesadíssimas de compras do supermercado, sozinhas, entre tantas coisas, o que não lhes retira a feminilidade, a sensualidade, o charme e a graça de ser “Mulher”, porque o “Homem” não pode lavar louça?
          Atesto ainda que conheço alguns homens que tratam naturalmente sobre o assunto “lavar louças” e afirmam sem o menor preconceito o auxílio às esposas, quando se trata do assunto “divisão de deveres em casa”.
         Imagino assim que, lavar louças não fará do meu filho “menos Homem”!
         Acredito sim que fará dele um Grande “Homem”, um “Homem” melhor, alguém que saiba se virar nesse mundo, lhe trará espírito de solidariedade, de generosidade, de compartilhamento de “deveres”, e provavelmente minha futura nora vai me agradecer (rsrs – para descontrair do pesado tema...)
            E meu querido filho, se um dia você tiver acesso à esse desabafo, saiba que o amo infinitamente, e serei eternamente grata pelas vezes que lavar a louça para a mamãe, após as refeições e profundamente orgulhosa, se assim fizer com a família que constituir!
            E a você minha filha querida, desejo um “Homem” de verdade na sua vida, daqueles que saibam até mesmo lavar louças! 

sábado, 22 de março de 2014

Crônica 21 O que é a Música?


José Carlos Neves
                           Vibrante como a badalada dos sinos da minha aldeia;
                                Harmônica como sons celestiais de anjos em cadeia. (JCN)

        Num breve intermezzo do ensaio do coral do meu amigo Trasmontano, a pergunta repentina do maestro Élcio, soou como um desafio: “O que é a Música?”. E como se um mistério tivesse que ser desvendado, concedeu como pista para facilitar a resposta: “A Música é a arte de...”. Pergunta, pista e resposta ficaram no ar e ninguém mais se lembrou delas até ao final do ensaio. Mas a pergunta ficou na cabeça do meu amigo, e para ela buscou respostas que não fossem meramente técnicas, mesmo porque ele jamais aprendeu a reconhecer uma única nota musical. Ele poderia simplesmente completar a pista do maestro e dizer que a música é a arte de juntar, combinar e harmonizar sons que soem agradáveis aos ouvidos. Ele entende que ninguém poderia contestar essa resposta, mas seria simplificá-la demais. Então ele a procurou dentro da sua alma.

        Desde a sua mais remota lembrança de infância, na sua aldeia trasmontana, o meu amigo carrega os sons primeiros das badaladas do sino da pequena igreja, a não mais que 20 m distante da casa onde morava com seu avô paterno e tios. Também os chocalhos dos vários “inos”: bovinos, caprinos, ovinos, e até suínos e equinos. Nenhum desses sons tinha os requisitos técnicos do que se convenciona como som musical. E mesmo sem  que alguém os combinasse intencionalmente, eles continuam a soar como orquestra na alma do meu amigo. Na sua aldeia não havia ainda qualquer tipo de comunicação como rádio, telefone, e muito menos televisão que pudesse transmitir uma atividade musical vinda de fora. Mas lá estavam seu padrinho de batismo e outro amigo, com sua guitarra portuguesa e o violão universal, a tirar plangentes sons de suas cordas, aprendidos de ouvido, em solos instrumentais, ou acompanhados de suas deseducadas mas sensíveis vozes. E a gaita escocesa do seu tio Júlio, um bumbo e uma caixa, formavam o que mais se aproximava do que o meu amigo, conheceu como uma banda. Assim, as guitarras, a banda, os chocalhos, os sinos e as músicas sacras cantadas na missa, formaram todo o universo musical da infância do Trasmontano. Mas não foi pouco. Todos aqueles sons produzidos pela sensibilidade de mãos rústicas de camponeses continuam a soar na alma do meu amigo até hoje, a competir com a mais erudita das músicas.

        Da sua aldeia trasmontana, passando por ligeiro intermezzo em Lisboa, até ao seu Brasil de hoje, o meu amigo passou e passeou por muitos estilos musicais e, sua alma, por muitos estados de espírito trazidos pela alegria da música popular portuguesa, no som e bailado simples e brejeiro de um Vira ou um Fandango; na melancolia saudosa de um fado; na veneranda voz da maior das divas portuguesas, Amália Rodrigues; no êxtase do som de cristal de guitarras; na  agradável surpresa do novo no chorinho e nas marchinhas bem brasileiras; nas serestas e nas retumbantes escolas de samba; na bossa nova e nos irreverentes e transgressores  rocks da jovem guarda e tropicália; no bucolismo dos sertanejos; na moderna irreverência do hip hop e rap. Daqui mesmo, ou em viagens pelo mundo, o Trasmontano conheceu muitos outros estilos, ritmos e danças populares deste planeta; seria  injusto  descrever  uns e não mencionar outros neste pouco espaço. É certo que não aprecia alguns estilos, mas respeita a todos, como àqueles que, sim, os apreciam. Isso faz parte da diversidade e liberdade sensitiva de cada um.

        Foi um longo caminho até que pela primeira vez, lá por 1965, ele ouviu  Barcarolle – ária mágica e inesquecível dos Contos de Hoffmann. Ficou extasiado com sua beleza, e a partir dela descobriu  o universo da música erudita, e sua vida menos solitária, ao iniciar uma viagem de muitas escalas, como no compasso simples e crescente do Bolero, de Ravel; a libertar seu pensamento no coro do Va Pensiero, do Nabuco, de Verdi; a juntar-se à rebeldia da Habanera, da Carmem, de Bizet; a voar num coro de anjos na Aleluia, do Messias, de Haendel; a entregar-se ao gênio de Beethoven no fluxo e refluxo de inquieto sofrimento da sua Quinta Sinfonia; a sentir a paz no bucolismo pastoral da Sexta Sinfonia; ou enebriar-se no inigualável e esfuziante prazer  da Ode à Alegria, da Nona Sinfonia; a cruzar e sentir os climas imaginários das Quatro Estações, de Vivaldi; a sorver toda a religiosidade de Bach em Jesus Alegria dos Homens, em seus Concertos Brandeburgueses; cavalgar ao lado das Valquírias, de Wagner; surpreender-se na precoce genialidade de Mozart, em suas muitas sinfonias, ou entregar seu corpo à força etérea de seu Requiem; ou no passo triste e dolente da Marcha Fúnebre, de Chopin; a levitar na lentitude dos adágios de Albinoni; um suave flutuar no Lago dos Cisnes, de Tchaikovski; a orar num  canto gregoriano; a arrepiar-se ao ouvir as vozes de tantos tenores, baixos, barítonos, mezzo sopranos,  sopranos, contraltos, em solo ou em coro, em tantas obras operísticas e peças curtas, cantadas à capela, ou como num duelo fraterno com  suas almas gêmeas: uma infinita diversidade musical de instrumentos e seus instrumentistas, virtuosos, ou apenas guiados pela alma.

        Então, amigo Élcio, na visão e sentir do amigo Trasmontano, que agora mal encadeia do, ré, mi, fá..., em resposta à sua pergunta, a Música – com extensão na irmã, Dança - é isso. São todas as sensações sonoras que nos trazem antídotos ou estímulos aos diversos estados de alma, que bem podem ser de alegria, tristeza, melancolia, amor, saudade, medo, coragem, exaltação, amor, ódio, depressão,  entrega, prazer, dor, fé e esperança. Se qualquer som não lograr tocar nalgum desses sentimentos, não será música; será apenas um ruído. É hora da Ave Maria, e o dobrar dos sinos da sua aldeia teimam em penetrar-lhe pele e corpo, e a tocar fundo na sua alma.

JCN – MAR – 2014 – jcneves45@yahoo.com.br  

terça-feira, 11 de março de 2014

Crônica 20 Eis que hoje é o dia dela!

Pai... pode censurar caso entenda não ser pertinente. Simplesmente acordei, tomei café e sentei para escrever. Não sou escritora, apenas uma pessoa emotiva! Então às vezes pode não fazer sentido alguma coisa....Beijos Claudia.

Eis que hoje é o dia dela!

Claudia Fonseca de Freitas Saraiva
            Não a conheci nesta vida, mas sei perfeitamente como ela era, por dentro e por fora!
            Por fora, linda – as fotos me mostram – um sorriso encantador e de paz, a esconder tristezas que a vida pode ter lhe proporcionado, mas que não a impediram de ser uma grande mulher.
            Por dentro, um coração enorme. Coração de Mãe! Coração de Vovozinha! Embora, infelizmente, para ela e para nós, não tenha conhecido nenhum de seus netos.
            Seis filhos bem criados. Seis orgulhos. Seis bondosos corações.  São seus frutos. Essa, a melhor e maior herança deixada para os netos.
            Esse enorme coração soube criar, educar e passar valores. Sempre escutei boas estórias a respeito dela. Jamais escutei uma só queixa. Sempre senti carinho e admiração sem sequer tê-la conhecido.
            E, se de um lado o coração fica apertado de  saudades de quem não conheci, de outro, sinto-me confortada por saber o quanto ela foi tão amada.
            Se sinto saudades dos momentos que não vivi ao seu lado, tenho certeza que o amor dela chegou até mim de muitas outras maneiras.
            E, se eu não pude conhecer essa incrível mulher nesta vida, é porque algo muito mais valioso está reservado para o nosso encontro em um outro dia.
            Saudades da minha avó!

Nota: Recebi esta mensagem da minha filha, agora. Se minha Mãe fosse viva, faria hoje 102 anos...

domingo, 9 de março de 2014

Crônica 19 Leitura e Escrita

José Gamaliel Anchieta Ramos
            Há pouco tempo fiz amizade com o irmão de um ex-colega de escola. Em seu blog, com regularidade, posta contos e crônicas. Outro dia mesmo, fez uma cobrança séria, imediatamente o atendi com dois de meus contos que já tinham sido publicados. Ele agradeceu, mas pediu outros.
            Uma semana depois, publiquei algo no Facebook pela passagem de seu aniversário. A resposta tão logo veio: “Muito obrigado pelas felicitações, mas me mande suas memórias para o blog, porque não estou conseguindo escrever. Abraços”!
Eu concordo com o amigo, são enormes as dificuldades encontradas para a produção de textos, às vezes nem começo, noutras não vou ao fim. Além de ser grande sacrifício ficar bom tempo com a bunda grudada na cadeira, essa empreitada desafiadora exige o preparo intelectual adquirido com muita leitura, coragem e toda concentração. E foi então que, mesmo sendo algo complicado, entre uma ideia e outra, tive a iniciativa de me perguntar, por que não devo comentar sobre estas irmãs gêmeas?
            Leitura e escrita, ambas têm seus méritos, por serem edificantes e úteis, embora a responsabilidade do leitor seja quase sempre menor.
            Livros, de autores que sabem fazer literatura, dizem tudo.  Alguns chegam a ser estudados profundamente, a fim de que haja o maior entendimento do sentido de tudo que eles contêm, como as Escrituras Sagradas, O Capital de Karl Marx e O Livro dos Espíritos de Allan Kardec. Destes, compreenderão todos os textos os estudiosos se possuírem entendimentos especializados que fazem parte da base de conhecimentos e dos conceitos da história humana.
            Para uma leitura sem compromisso não se escolhe muito o lugar, busu, escritório ou em casa. Varanda, sala e quarto. Na cama, deitado, é uma das três melhores coisas para serem feitas. Com os olhos abertos, semicerrados, com um só, caindo de sono. Não tem problema quando for interrompida pela soneca. E até o vaso serve, se o local for o banheiro. Para fazer a número dois alguns não desprezam o auxílio de um livro ou revista.
            A maior intensidade de leitura faz melhorar meu nível de compreensão e a capacidade de interpretar os textos. É uma tristeza descobrir alfabetizados incapazes de entenderem o sentido das linhas e entrelinhas, pessoas que enxergam, mas nada decifram na claridade do meio-dia.
            Leitor, minha dificuldade em preencher essas páginas em branco é maior que a sua, porque a escrita não se faz de imediato, em dois tempos. Mas o exercício diário de escrever é algo que faz toda a diferença, assim como o de outras atividades, inclusive o da leitura.
            O que ora faço pouco representa diante de uma elaborada obra com inúmeras páginas, que necessita da montagem de um verdadeiro processo para a execução de algo infinitamente mais complexo. Os personagens criados pelos verdadeiros artistas, que povoam a sua vida naquele momento de solidão, retiram de dentro dele tudo o que existe de bom e ruim.
            Meus escritos podem agradar muito aos familiares e amigos, o que não acontecerá se cairem nas mãos de leitores críticos. Os mais conscientes certamente me darão muitas orientações, porque vão apontar meus pontos fracos e, irão dizer se a linguagem empregada está coerente com todos os elementos da trama.
            É fácil reconhecer a pessoa realmente letrada que praticou a leitura e a escrita durante toda sua vida, percebe-se de imediato que ela não se limitou a ficar enjaulada dentro dos muros da escola, somente nas aulas do bê-á-bá e de português. 
            O leitor capaz percebe, de modo ativo e flexível, a inexistência da verdade estável, independente, ao constatar as belas lições que estão soltas no mundo prontas para ser nossas.
            Já é muito diferente a rigorosa missão de escrever, exige isolamento, dedicação e método. Tanto quem o faz sem sofrimento ou com todo embaraço, seja desconhecido ou celebridade, não pode realizá-la em qualquer canto. Para exercer sua brilhante vocação de poeta, o chileno Neftalí Ricardo Reyes Basoalto, Prêmio Nobel de Literatura em 1971, muito conhecido como Pablo Neruda, em Isla Negra, à Beira do Pacífico, construiu um de seus refúgios numa casa em forma de barco, onde mergulhava no seu mundo para a descoberta de outros.
            O escritor deve estar bem acordado, ao contrário de quem lê, às vezes passa da hora de ir ao banheiro, e por noites em claro ocupado no registro das ideias que pipocam a todo instante.
            A palavra escrita fica como prova e traz desdobramentos. Em 2009, com base em um trecho do livro de uma atriz global, uma autarquia vinculada à Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, tentou suspender o benefício de treze mil reais, mensalmente pago a ela. Quando disse que por 12 anos tinha vivido em relação estável, deu a corda para ser enforcada. Além desse caso exemplificado, dentre os vários tipos de riscos que corre uma publicação, a aceitação da crítica pode afastar ou aproximar o público da obra.
            Bariani Ortêncio no livro Cartilha do Pré-Escritor, em suas 280 páginas, esmiúça tudo a respeito da insana batalha que é escrever, publicar, editar e distribuir livros nesse país.
            Os escritores são formados nos livros publicados. Demanda muitos anos para a formação de um escritor, quanto mais páginas você publica melhor será sua produção literária. De Machado de Assis é posto em destaque o que fez a partir do décimo primeiro livro. Até este ponto da longa carreira estava apenas adquirindo a experiência que veio trazer brilhantismo a sua obra.
            Muito mais é necessário na criação e recriação de um texto literário, que além de bem escrito também deve receber hábil acabamento, saber ler e escrever não basta. Eu até posso ter como base os fatos reais, porém não devo me esquecer da imaginação, dessa capacidade de criar, princípio e fim de todas as ideias registradas nos livros. É tarefa difícil compor personagens envolventes, histórias que contenham argumentos surpreendentes, construir diálogos agradáveis, situações emocionantes, enfim, somente alguns podem produzir uma trama irresistível capaz de sair vencedora numa concorrência em que há milhares de autores mais conhecidos. E as maiores editoras só querem livros dos consagrados, que tem toda a garantia de serem vendidos.
            Fafão de Azevedo (1951-2009), por 25 anos funcionário de carreira do Banco do Brasil, Matemático formado pela UnB, foi autor de sete livros, cinco de crônicas populares e dois infanto-juvenis. Quem fez tudo isso sem reclamações, com humor invejável, é bom que se diga, era cadeirante. Quando o conheci, mostrei que eu não seria tão audaz, nem tinha como ele a incrível disposição para vender a produção independente, pois ser escritor somente já achava muito difícil. Então, abriu numa página de seu livro e apontou este trecho de sua crônica: “Essa vidinha de escritor é muito sacrificada”. Em seguida, outro: “Quem sabe seu mal não seja essa sua preguiça de encarar a nossa verdadeira realidade de escritores? Vai lá, coragem!”.
            Na explicação desse ser humano admirável há o que também ensinam nas reuniões das casas kardecistas. Lá, os espíritas mineiros inventaram uma nova doença: “muquerela”, tomando emprestadas as primeiras letras das palavras, murmúrios, queixas, reclamações e lamentações. Para o combate deste mal, que traz mais peso, motiva o pessimismo, desgasta as energias, confunde o raciocínio e abriga o desânimo, eles recomendam: trabalho, disciplina, oração, coragem, esforço, persistência e boca fechada. 
            Agora vou confessar uma coisa, você não sabe o quanto eu ainda sofro para vencer minhas “muquerelas”! Amigo, depois de ter tentado superar esses meus desalentos, é bom que eu não escreva mais, pare nestas linhas, porque já tenho uma crônica para ser publicada em seu blog.
Ufa!

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Crônica 18 Centenária

                                                                  José Carlos Neves
                                                Centenária mulher, de passado adormecido;
                                                           Quantas histórias nele haverás vivido.
                                                           Em quantas guerras te haverás ferido;
                                                  A quantas gerações haverás parido.   (JCN)

        “Zé, eu pode ir no casa seu” (sic)? A pergunta não era uma demonstração de preferência habitacional, pois a fazia a todos os seus genros (por coincidência, todos Zés), mas a explicitação do desejo de, digamos, variar de ares e ambientes familiares. Apesar dos mais de 70 anos de Brasil, o seu português ainda tropeça a cada sentença que, esforçadamente, tenta encadear na comunicação com genros e nora gaijins, ou com qualquer pessoa que não tenha rosto oriental. Recatada, calada, discreta, ensimesmada, é a matriarca centenária de um clã que honra as tradições dos imigrantes japoneses que por aqui aportaram nas primeiras décadas do século passado. Nessa travessia do tempo, teve todo um centenário à sua disposição para cruzar dois milênios, dois séculos e muitas décadas. O símbolo de um século de vida transcende, em muito, o do seu aniversário, para tornar-se também um símbolo das relações históricas de dois grandes países como Japão e Brasil, nas suas forças produtivas, e na capacidade humana de miscigenação e assimilações culturais. Viveu a aventura  japonesa na invasão da China, e a Primeira Guerra Mundial, quando ainda morava no Japão. Já no Brasil, sofreu as consequências da Segunda Guerra Mundial - da qual seu país saiu derrotado -, seja pela perseguição imposta pela política do governo brasileiro, alinhado, por fim, com os aliados, ou por fanáticos patrícios que não admitiam a derrota de seu país e Imperador. Participou do fantástico progresso conhecido pelo mundo do pós guerra, quer seja como anônima agricultora, ou como mulher, esposa, mãe e respeitada cidadã da comunidade nipo-brasileira. Assistiu à chegada do homem à Lua, e à transformação cibernética da comunicação, o que dificultaria a sua própria com este maluco e estranho mundo novo.

        O meu amigo Trasmontano, com carinhosa admiração, olha atentamente para aquela delicada figura que lhe lembra alguma pintura de alguma gravura japonesa. Não veste o tradicional quimono que tantas vezes a viu usar nas tradicionais danças de  bom  odori. Está em trajes civis; várias roupas sobrepostas que a sua idade já exige para um frio de inverno tropical. Seu corpo já demonstra uma silhueta acentuadamente curvada pelo tempo e pela vida, e de uma estatura que parece já ter sido mais alta. Deixou de pintar seu cabelo, que agora se revela todo branco e muito mais charmoso que antes. Sua pele ainda não mostra rugas profundas como seria de esperar em sua idade. Seu rosto é vivaz e determinado, a contrastar com a sua frágil figura. Meu amigo olha para sua sogra, Sueko (filha mais jovem) Shinmyo, estranho som nipônico para a sua trasmontana origem. Neste país de predominante onomástica lusitana, muitos por certo terão confundido seu feminino nome com algum masculino. Isso acontece quase diariamente com a sua Eiko, pela terminação em (o). Ele já chegou aos seus 68 anos, mas diante do centenário daquela mulher, ele se sente ainda um jovem adulto, fascinado pelo que o seu tanto viver poderia carregar de experiência e conhecimento.

        É estranho como duas longínquas pontas do tempo, digamos a de 1914 e a de 2014, possam tocar-se através de um ser humano que viveu e uniu a ambas. É certo que hoje já não é um acontecimento tão raro encontrar-se homens e mulheres com mais de um século de existência, e com mais frequência ainda entre os orientais. Na própria família da sogra do meu amigo, ela é a segunda das irmãs, e seu pai e outra irmã tangenciaram o centenário com seus 99 anos. Isso faz de todos esses longevos seres um privilegiado grupo de não apenas coadjuvantes da História, mas eles mesmos a serem a própria História. É possível que a Sra. Sueko - ou Obaachian (avó), como todos a tratam em família – nem sequer tenha consciência dessa importância social e histórica. E ainda que tivesse essa consciência, ela jamais a reivindicaria para si, pois também  faz parte da História do seu tempo a sua condição de mulher de comportamento recatado, contido e submisso, no qual o brilho, o mérito e o mando eram reservados aos maridos, filhos, irmãos e sogros. Mas foi nesse aparente  recolhimento, para dentro de si mesma, que a sua força e a sua determinação ganharam importância fundamental no parimento das suas oito filhas e um filho - não tão poucos para seu frágil corpo -, nos  cuidados  e   na administração doméstica, na responsabilidade de cuidar todos os familiares no seu entorno, criar e educar os filhos, e ainda ajudar o seu Masatoshi nos intermináveis e cansativos trabalhos agrícolas. Socialmente, ela pode não ter crescido muito, mas, com certeza, nos seus 100 anos  de vida, ela ajudou muito no crescimento quantitativo e qualitativo da sua família, no desenvolvimento da comunidade japonesa e, com esta, no progresso deste país, que sempre recebeu bem imigrantes como meu amigo e sua sogra.

        Um século! Houve tempos em que este termo só fazia sentido para designar períodos históricos, pois só na literatura bíblica é que se encontram figuras religiosas, transmutadas dogmaticamente em humanas, com vivência superior aos 100 anos. O meu amigo não conhece nenhum registro de tais idades alcançadas antes do século XIX. E mesmo que os tenha havido, isso com certeza foi numa época em que o mundo à sua volta pouco terá mudado desde o momento do nascimento ao da morte. Ao contrário das mulheres centenárias de outros séculos, a sogra do meu amigo, durante o seu,  pôde assistir às mais grandiosas e diversificadas alterações no progresso humano, desde os primórdios da História. Em setembro de 2013, o Japão ultrapassou um pouco mais de 54.000 habitantes centenários, dos quais as mulheres ultrapassam as 48.000. Pobres homens! Por onde andará o tão propalado sexo mais forte? Com certeza, hoje andará na aparente fragilidade do corpo da Dona Sueko, legítima representante no Brasil da longevidade nipônica, e como de tantas outras bravas mulheres espalhadas pelo mundo, muitas delas depois de haverem vencido a miséria, a macheza do homem, o abandono familiar, o ato da parir, os preconceitos sociais e profissionais, as doenças, e algumas vezes até a morte, antes que esta as vença num último e bom combate.

        O meu amigo, para conquistar a sua sogra – afinal, não é qualquer um que tem uma sogra centenária -, estudou um pouco de japonês há quase  50 anos atrás. Já está quase todo esquecido, e ela tampouco evoluiu no seu português. Assim, a comunicação entre ambos continua com a mesma dificuldade de antes. É uma pena, pois com certeza ela teria muita História e histórias para contar. Como genro e curioso cronista do seu tempo, ele gostaria de conhecer  mais a sua alma, e o que nela guardou durante esses 100 anos. Quem sabe, nas páginas do seu diário secreto, algum de seus muitos netos ou bisnetos consiga descobrir nele o que significa viver um século. Enquanto isso, que viva outro século, ou quanto lhe for dado viver; que se rebele aos que impeçam que faça o que quiser fazer; que coma o que lhe der ganas de comer; que dance o quanto quiser dançar; que ralhe com quem achar que deve ralhar; que leia seus livros e jornais nipônicos quando lhe der na telha; que assista aos seus programas favoritos desde o Japão; que cante as muitas e belas cantigas da sua tão longínqua infância; que reúna, sempre que puder, toda a sua prole de filhos, netos e bisnetos, genros, nora e demais agregados; que estes a respeitem e lhe enalteçam toda a aura e sabedoria dos centenários; que, finalmente, se sinta leve e livre de todas as responsabilidades acumuladas durante seu primeiro século. A ela, vida ainda mais longa!

JCN – OUT – 2013 – jcneves45@yahoo.com.br

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Crônica 17 - À Espera de Amanda

José Carlos Neves
                                                     Quanto tempo ainda terei que esperar;
                                                       Quanto tempo ainda terei para te ninar. (JCN)

        Tum tum, tum tum, tum tum,... As batidas sincopadas saíam de uma ainda não bem definida cavidade toráxica como que a bombear vida para um minúsculo corpo, cujo comprimento não ultrapassava os 7,5 cm. A anatomia do corpo ainda não permitia ao leigo saber se seria feminino ou masculino. Porém, o médico, guiado pela estatística comportamental dos movimentos mostrados na ultrassonografia, assegurava ser o de uma menina, com mais de 90% de certeza. A imagem, aumentada e projetada numa tela de 42”,  já permitia perceber o fluxo e refluxo do coração, e um movimento quase imperceptível do que parecia um pé buscando apoio numa das paredes do útero, invadido que fora por tão indiscretas câmeras de precisão. Sim, ali nascia uma nova vida humana, gerada por outro par de  vidas, gerado por outro par que, por sua vez... Ali estava viva, e já denominada, Amanda.

        O meu amigo Trasmontano, sua mulher, sua irmã, seu filho e nora, pais de tão tenra vida, todos olham fixamente a tela da TV, sem piscar, como que hipnotizados por um misto de beleza, surpresa, alegria, orgulho, emoção, responsabilidade, e uma enorme ansiedade para que passem céleres  os 6 meses que ainda faltam para que aquele minúsculo corpo possa materializar-se fora da tela e do útero para os braços e abraços de todos. Se é verdade que a tecnologia de hoje nos tira muito da indescritível sensação de surpresa do ritual final do nascimento, também é verdade que a sua inestimável ajuda na prevenção de quase  todos os elementos que possam transformar-se em dificuldades futuras traz aos pais, ou responsáveis, mais tranquilidade e preparo para enfrentá-las, se preciso for. Pelo que agora se prognostica, e se Deus quiser, não será o caso da Amanda. Se depender do desejo de todos que ali estão reunidos, ela chegará com a sabedoria oriental; com a alegria e brejeirice latino-americanas; com a irrequieta ansiedade lusitana na busca de novos mundos, novas conquistas.

        Diz a sabedoria popular que os pais educam, e os avós deseducam, não importa qual seja a época ou a geração. Todos os ali presentes tiveram suas próprias experiências como netos, filhos, pais, tios ou tias, mas nenhum ainda  como avô ou avó. E é esta perspectiva que o Trasmontano vê agora diante de si como uma  ansiada realidade. Ele lembra da sua inteira infância sem mãe, e do pouquíssimo tempo com pai, e da quase inteira no convívio diário com seus avós paternos, ou maternos. Tem bem poucas lembranças de seu papel como filho-criança, mas muitas do carinho de seus avós, tios e tias, no mesmo período. A sua quase ignorância do mundo, como isolados aldeões trasmontanos, nunca lhes fez perder o mágico instinto de proteção aos netos que perpetuariam a sua continuidade geracional, e na qual podem resgatar toda a intrínseca e inata beleza da sensibilidade pater/maternal, às  vezes sem a responsabilidade dos pais de verdade; outras vezes, com ainda maior responsabilidade que eles, como foi no seu caso.

        O meu amigo não pode  auto avaliar-se como pai, pois só o seu filho poderá fazê-lo. Pensa que fez o melhor que as circunstâncias da sua vida familiar e profissional lhe permitiram, mas sempre lhe ronda a sensação de que poderia ter sido melhor. Agora, mais experiente, um pouco mais sábio e mais livre de outras responsabilidades, aguarda ansiosamente pelo momento de assumir o seu papel de avô. Não cabe em si de contente, e vive numa incontrolável expectativa de menino que irá ganhar um brinquedo desde há muito tempo esperado. Mesmo sem sequer saber como será a sua interação com Amanda, já se apossou dela e lhe faz planos de vida. Já mentalizou os livros que lhe dará e lerá; as músicas que lhe ensinará a ouvir; as peças de teatro que com ela assistirá; os concertos que se habituará a frequentar; as canções de ninar que lhe cantará; os longos passeios pelos caminhos da filosofia e da literatura; os museus que visitará; apresentar-lhe o belo através das artes; a educação formal a escolher; os valores da honestidade, da generosidade e solidariedade; da liberdade política, da religião, da moral e da ética a seguir; o respeito às suas raízes latinas e orientais, de seus pais e avós; a valorização do trabalho e esforço próprios; a convivência respeitosa com o próximo, independente de extrato social, racial, religioso ou político a que pertença; o mundo aberto à sua pertinência e ao seu conhecimento; enfim, talvez, fazê-la reflexo de um ser humano por inteiro, pelo que venha a ser, e não a ter. Tudo o mais que lhe falte, será delegado a seus pais.

     E assim, entre desejos, devaneios, sonhos e esperanças, o meu amigo Trasmontano prepara-se para uma nova etapa de sua vida, talvez a mais leve e prazerosa, porque sem o peso da responsabilidade das anteriores. Ao olhar para o pai, Cláudio, já adulto maduro, vê a projeção de um possível futuro neto; ao olhar a mãe, Kátia, já vê dentro dela a pequena Amanda; ao olhar a obaachian, Eiko, vê a sua parceira e cúmplice de sempre nos seus sonhos; ao olhar a tia-avó, Olinda, vê as suas próprias tias a cuidá-lo na sua orfandade infantil. Ao olhar todos, tenta adivinhar como será o seu rosto, e três possibilidades genéticas se apresentam: será inteiramente oriental? Inteiramente ocidental? Ou será mestiço como o do seus pais? Não importa! Importante mesmo é que tenha a cara da felicidade. Com certeza, muitos outros familiares se agregarão nas atenções, curiosidades e cuidados a que sua neta fará jus. Ela virá como mais um reforço de um pequeno exército de mulheres de um clã triangular, e é natural que por elas seja defendida, como ela futuramente as defenderá. A transmissão do ultrassom termina; a televisão é desligada. O meu amigo volta ao mundo real. Faltam apenas 6 meses, e avô e neta não perderão por esperar, pois terão ainda muita vida para  aprender, e ensinar-se, mutuamente, a viver.

JCN – NOV – 2013 – jcneves45@yahoo.com.br

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Crônica 16 Sou Feliz!


Claudia Fonseca de Freitas Saraiva
            Sou muito grata a Deus por toda felicidade que me proporcionou e me proporciona nesta vida!
            Talvez a melhor coisa que tenha me acontecido foi nascer, isto mesmo, simplesmente NASCER. As demais são consequências.
            Mas sempre acontece um novo fato na vida e acabamos por dizer “nossa, a melhor coisa que me aconteceu!...”. Assim sendo, melhor dizer, “está é a última melhor coisa que me aconteceu na vida!”
            Meus pais....não poderia Deus ter escolhido melhor. Deram-me amor, educação e proteção, e me ensinaram a caminhar por esta vida, no começo de mãos dadas, e aos poucos foram me soltando. Encaminharam-me e hoje sou assim feliz! E devo grande parte disso a eles. Dedicação ilimitada.
            Depois “esbarrei” com o Dady.  Este então foi escolhido, à dedo, por Deus com sua tamanha sabedoria. Ele só podia ser meu! Quantas qualidades, Lindo! Pessoa honesta, trabalhadora, grande jogador de tênis, marido, pai, mas com cara de bravo, (risos). Minha admiração profunda. Meu amor sincero. De quebra, aumentou minha família, meus sogros, minha cunhada, meu cunhado e agora minha mais nova afilhada Bruna. Fora isso, com ele, tive meus maiores presentes, e mais uma vez, “a melhor coisa me aconteceu na vida!”
            Descobrir que estava grávida em 2006 foi simplesmente indescritível. Uma felicidade incrível, que só quem teve um bebê no útero pode entender. Tudo fica leve, tudo fica alegre. Senti-me a melhor pessoa do mundo! Amava uma criatura que me chutava na barriga o tempo todo, que me tirava o sono, e eu nem sabia como era seu rostinho. Diverti-me demais e curti a gravidez toda, embora tenha passado muito mal com enjôos, o que não me tirou a alegria em um só momento. Cada coisinha pensada e feita com tanto amor esperando a chegada do Guilherme.
            Eis que nasceu o Guilherme em 04 de maio de 2007. Meu Deus, quanto amor, não sabia o que era isso! Ficava horas olhando aquele bebê e não me cansava. Parecia que nada mais existia no mundo, pelo menos, mais nada tinha tanta importância. A cada movimento dele eu vibrava mais que a primeira final da copa do mundo, que assisti, onde o Brasil saiu-se vencedor, nos pênaltis, e eu pude vibrar! Foram grandes vitórias ao lado do meu pequeno Gui.
            Com ele aprendi tanta coisa. Aliás, continuo aprendendo. Ele é inteligente e bonito como o pai, sorridente e feliz como eu. Tirador de sarro... E o amor só foi crescendo, se é que pode, porque já nasce infinito esse amor. Como foi difícil deixá-lo na escola nos primeiros dias, afinal ele era só meu, como dividí-lo? Sofri, foi difícil, mas passou e sei que foram ótimas as conquistas dele. Fez amigos, aprendeu a falar, a se comunicar, a ler e escrever, a jogar futebol (será?), a ser “gente”, a respeitar, entre tantas outras coisas. E como isso tudo é gratificante. Achei que nunca mais ia amar alguém assim.
            Mas o tempo passou senti a vontade e a necessidade de ter outro filho e dar à ele um(a) irmão(ã)....uma pessoa que fosse companhia e família para ele, além da mãe e do pai.
            E em 2009 eu engravidei, que felicidade! Mas passou, com 14 semanas de gestação acabei por fazer uma curetagem em decorrência de uma gravidez “anembrionada”. Sofri intensamente, quando descobri que não havia embrião algum dentro do saco gestacional, como sofri, chorei dentro de mim por muitos dias e noites. Apeguei-me mais ainda ao Guilherme!
            E em 2010 nova chance me foi dada. Novamente estava grávida. Tamanha era a alegria quando fiz o ultrassom e vi um coraçãozinho lá dentro batendo, mais uma vez digo, indescritível, só sentindo mesmo para saber. E mais uma vez eu podia dizer que a melhor coisa tinha me acontecido na vida. Todavia, aquele anjinho resolveu que não era a sua hora. E foi embora com cerca de 12/13 semanas. Foi ai então que eu desisti. Curti muito o Guilherme, muito mais ainda, porque eu posso dizer que tive o privilégio de ficar muito com meu filho, fizemos muitas coisas juntos, talvez ele não vá se lembrar quando crescer, mas eu jamais vou me esquecer de todos os nossos momentos. Era a maior felicidade da minha vida!
            E como tudo tem o lado bom e o ruim, penso que talvez eu o tenha sufocado com meu amor intenso, queria-o só pra mim, era tudo o que eu tinha na vida, era meu e pronto!
            Foi quando, num exame de rotina, em 2011 o médico me diz “gestação de cinco semanas....” (não vou relatar aqui tudo o que aconteceu naquele momento, até porque o médico que realizava o exame deve ter me achado uma louca, em último grau, diante da minha reação). Insisti que não poderia ser, afinal estava evitando, e é melhor parar por aqui neste tópico (risos). Deixo para relatar em outro momento, porque hoje dou risada do que aconteceu.
            Na verdade, naquele momento, senti um misto de felicidade intensa, mas com tamanho medo de vir a sofrer, novamente, que eu não sabia se ia aguentar. Susto! Medo! Foram sensações e sentimentos que caminharam juntos com o “mais novo melhor acontecimento da minha vida!”
            Tenho comigo que nossas famílias também tinham receio de um eventual novo sofrimento, mas de outro lado acredito que cada um no seu cantinho rezou e pediu muito a Deus para que esse fosse um momento de pura felicidade.
            Quantos exames, quanta prevenção, quanto cuidado e carinho da minha médica, que comigo já tinha sofrido também. E assim os dias foram passando... Curtia muito o Gui, e uma nova barriga que foi crescendo, e, se de um lado a sensação de que demorou, em razão da ansiedade, para que tudo desse certo, de outro lado passou rápido demais porque o Guilherme preenchia meu dia com sua alegria!
            Susto! Dia 19 de dezembro de 2011, cerca de 29 semanas de gestação, um sangramento considerável. Acudida pelas meninas que trabalham comigo, que prontamente me levaram para a maternidade, tão aflitas quanto eu, mas tão rápidas e diligentes quanto uma ambulância e seus médicos. Imensa gratidão! Foram momentos desesperadores, mas um alívio enorme quando ouvi aquele coraçãozinho batendo!! E batia muito!! Chorei muito, mas de felicidade e alívio. (minhas amigas e minha mãe também choraram eu creio!)
            Ansiedade sem fim, contando dia a dia, semana a semana.
            36 semanas de gestação, ufa ! tudo estava indo bem.
            Passei um sábado no clube, cansada com o peso da barriga, e minha Camilinha que chutava mais que qualquer jogador de futebol em treino intenso.
            Acordo no domingo, ainda muito cedo, com dores e “contrações”, creio que um pouco descontrolada. E corremos para a maternidade. Nós três, o Dady, o Gui e eu! E ali encontramos meus pais, bem na entrada.
            Prontamente atendida pela médica que se encontrava no hospital, escuto-a dizer ao telefone, para minha médica, que eu estava “descompensada”, e apesar da dor, pude entender perfeitamente o significado e ficar bastante irritada com isso. “Descompensada?” Descompensada era ela que não sabia a dor e o medo que eu sentia naquele momento!
            Depois fui saber que “descompensada” significava que as contrações que eu tinha não eram compatíveis com meu estado e minha dor. Ah ta. Então ta explicado.
            Sala do parto. Meu Deus! Minha filha vai nascer prematura! 36 semanas. As médicas cuidadosas e carinhosas, principalmente porque tinham acompanhado TODOS OS ACONTECIMENTOS.
            De repente, ali deitada, anestesiada, e percebo as caras de  “algo está errado”. Susto ou pânico (não acredito que médicos sintam pânico, pois lidam com fatos inesperados frequentemente, mas era o que eu podia ver, naquele momento, nos olhares trocados entre eles (depois soube que minhas dores eram decorrentes de um grande coagulo que ali se formou, e a possibilidade de ter causado uma hemorragia, mas deixa pra lá, não devem ser relatados) ansiedade, momento tenso, muita oração, e de repente, palavras doces da assistente da médica para me preparar e tranquilizar caso houvesse qualquer procedimento ou conduta diferentes do padrão “parto”, em razão das consequências do coagulo, que até então, eu nem tinha conhecimento.
            BUÁÁÁÁ, o melhor dos choros que pude escutar em toda minha vida!! A Camila nasceu!!
            Também fui capaz de ver a cara de alívio de cada um deles que estavam ali comigo naquele momento mágico. E diante da tensão ali instalada, o clima foi descontraído quando o anestesista me disse “como ela é linda”!! Linda!! Isso mesmo, linda, toda amassada, e inchada, mas era a menina mais linda que eu já tinha visto, e novamente aquele imenso amor tomou conta de mim. E mais uma vez, podia dizer  “a melhor coisa que me aconteceu na vida!”. Nasceu forte e saudável. De prematura não tinha nada! Tanto que saímos juntas da maternidade! E nisso já se passaram dois anos.
            Sim hoje é aniversário da Camila! Dois anos. Como ela é linda e graciosa. Independente, quer fazer tudo sozinha. Ela é charmosa. Ela é brava. Ela é amorosa demais. Tinha em meus pensamentos que nunca mais sentiria aquele amor que sentia e sinto pelo Gui, e de forma instantânea nasceu o amor pela Camila, tão grande e igual. Parabéns minha filha querida. Como é possível amar tanto duas pessoas que mudam completamente a vida da gente.
            Faz-me tão bem e tão feliz ver o amor que o Guilherme sente pela irmã Camila, e o amor que a Camila sente pelo irmão Guilherme.
            Como é grande o meu amor por eles.
            E enfim, essas são “melhores ‘coisas’ que aconteceram na minha vida”!
            Grata a Deus, porque tudo acontece na hora certa!

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Crônica 15 Hoje...


            Claudia Fonseca de Freitas Saraiva

            Simplesmente quinze anos se passaram. Um dos momentos mais tristes pelo qual passei. Pois bem. Os dias vão passando, assim como as semanas, os meses e os anos... A vida retoma sua rotina, e, alterna bons acontecimentos assim como momentos tristes por vezes. Mas algo não muda. Algo permanece.
            A Saudade! E essa sempre intensa!
            “Saudade é algo que fica de alguém que não ficou”, nem sei de onde vem essa frase, mas sempre a escutei e talvez hoje eu saiba seu real significado.
            Saudade dos bons momentos, do abraço caloroso, da palavra doce e amiga.
            Saudade do cabelo esvoaçante.
            Saudade do sorriso.
            Saudade das boas risadas juntas.
            Saudade dos segredos contados.
            Saudade de tanta coisa, de tudo que juntas vivemos, apesar da distância física.
            A saudade é boa, mas dói!
            É, a vida nos proporciona momentos tristes e inesperados. Não sei por quê. Talvez para que possamos amadurecer e trilhar novos caminhos em busca do “viver” aqui, algo maravilhoso que Deus nos proporcionou.
            Sim, porque hoje, depois de muitos anos de questionamento, acredito que lá de cima, as “estrelas” querem o nosso bem e desejam a nossa felicidade.  Sim, porque hoje, creio que não sou ninguém para questionar os acontecimentos que me entristecem, mas confesso que como ser humano com intensos sentimentos, questionei por vezes o porquê disso. Sim, porque hoje, ainda sou capaz de ouvir meu tio, também já falecido (de quem, igualmente, sinto saudade) dizendo para minha mãe aqui, na cozinha de casa, sentado à mesa, nesse mesmo dia há 15 anos: “Maria, Deus me deu ela por 20 anos e tenho que agradecer por isso.”
            Quanta sabedoria num pai que acabara de perder a filha. Momento cruel que jamais imaginaria ver meu Tio passar.
            Assim, reflito por vezes sobre essa frase. Se me pego triste e enfurecida com Deus por ter levado nossa querida Livinha, logo penso no meu tio e nas sábias palavras e procuro me confortar e acreditar que aqui ela ficou de acordo com o tempo que Deus achou que era necessária sua presença conosco.
            E apesar de hoje administrar melhor a situação, sinceramente, há algo que “fica de alguém que não ficou” e que foge do domínio de qualquer ser humano com sentimento de amor....
            Saudade de você Livinha!
            Saudade também do que não vivemos juntas. Muita coisa ainda estava por vir.           Mas daí de cima você acompanha tudo não é mesmo? Tenho certeza que sim. Aliás, se bem a conheço, em muitos momentos dos nossos cotidianos, da correria da vida,  dos nossos tropeços e acertos e dos nossos momentos felizes pelo quais passamos, você nos acompanha e dá boas risadas!
            Triste pela falta que você faz!
            Feliz por ter tido você, por ter pegado você no colo!
            Saudade eterna!

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Causo 93 Objeto Não Voador Identificado


                                                               José Gamaliel Anchieta Ramos
            Houve um tempo, pouco antes de sua morte, que ele se acomodava na varanda do apartamento para me contar causos. Com total expressividade criava modos e trejeitos próprios para imitar o “Padre Italiano da Ventania”, “Mané Frangueiro”, “Donana”, “João Gravata”, “Tié do Pio”, “Bunda de Couro”, “Dona Bem”, “Miguê da Romana” e tantos outros tipos inéditos de seus contos.
Quanta lembrança de meu pai!
            O seu forte eram os casos populares ou as invencionices das pequenas cidades do interior onde viveu. Menos o causo de nossa despedida, este que ouviu um humorista narrar na televisão.
            Varginha, antes Princesa do Sul de Minas, passou a ser conhecida como a “Terra do ET”, a partir do elevado número de relatos e testemunhos de moradores do município sobre uma possível série de aparições de OVNIS – Objetos Voadores Não Identificados.
            No início de 1996, jornais, revistas e tevês informavam que a cidade estava sendo invadida por seres extraterrenos. Sensacionais notícias que receberam enorme destaque.
            Pensando bem, estas ocorrências enigmáticas deixaram vestígios muito convincentes. Tudo levava a crer que depois disso os limites de Minas Gerais, já considerados extensos, tinham sido ampliados rumo ao infinito.
Nesta ocasião, foi divulgada a desmontagem da fraude. De nada adiantou, porque permaneceu a marcante impressão do impacto inicial causado pela notícia.
            Em função dos misteriosos fatos um momento de forte tensão tomou posse do meio urbano e rural em que viviam. Durante a semana parece que tudo o mais não acontecia, todos insistiam em falar tão somente dos visitantes de fora da Terra.
            Mas não é por tais rumores que Compadre José Vieira ia deixar de reunir em sua fazenda os amigos para o tradicional jogo de truco. Ora, ora, nem pensar em uma coisa absurda como essa!
            Não tinham o menor medo de um perigo imaginário. Ao contrário, faziam graça daquilo. Extraterrestre para cá, extraterrestre para lá, eles falavam nisso a toda hora, nas diversas rodadas, até quando iam insultar o adversário, naquele tipo de provocação muito natural do jogo.
            Valter Cipriano, rico fazendeiro da região, naquele sábado estava entre os participantes da jogatina. Em torno de cinco horas ele passou jogando, meia-noite e tanto se despede de todos, entra na D20 e vai embora.
            Bem no meio do caminho de casa aconteceu algo que não esperava, mesmo sendo bastante nova, a caminhonete parou. Várias vezes acionou a chave da partida, mas as tentativas foram em vão, não ligava. De fazenda conhecia tudo, como ele gostaria de entender também do funcionamento desse motor, mas não sabia nada. Dormir ali desacomodado seria a pior idéia. Por fim, deixou o veículo na estrada, abandonado. Em seguida, marchou a pé em direção a sua fazenda.
            Seu Valter, muito acostumado a andar unicamente de carro, não estava nem um pouco preparado para curtos percursos, quanto mais para longas caminhadas. Sem outra maneira de tornar para onde viera, ele mesmo, teria a obrigação de arrastar cento e tantos quilos, quase uma légua no escuro, mesmo sendo um extraordinário sacrifício.
            Assim que entrou na estrada de terra, lembrou-se da matinha logo mais adiante, famoso palco de muitas histórias de ações das sombras. O poderoso dono das terras em que pisava, de muitas outras e de incontáveis cabeças de gado, jamais sentiu pavor, nem de longe, muito menos de perto.
            Fazia uma noite sem o menor sinal de claridade. As nuvens encobriam todas as estrelas, até a lua estava ausente do céu sul mineiro. Assim, nada via, talvez fosse incapaz de diferençar alguma forma na escuridão total. As trevas em que tinha o infortúnio de vagar estavam rodeadas por um silêncio profundo.
            Embora estivesse todo aterrorizado e bastante entregue ao cansaço, o homenzarrão seguia em frente. Aquela alma sertaneja já estava com o corpo arrepiado da cabeça aos pés. Os nervos se encontravam muito abalados, já não eram mais os nervos do frio imperador, do dono de muitos bens, tão senhor de si. Bem ali, a estreita estrada dividiria ao meio o capão de mato. Naquela altura caminhava com o passo amarrado, como quem não queria ir adiante. Afinal, nunca havia enfrentado uma situação aflitiva igual àquela.
            Estava nesse clima de horror quando chegou à matinha. Para aumentar ainda mais o pânico, bem no meio do escuro completo, surgiu de repente certo clarão de luz, que aumentava e diminuía, que... De imediato, o boiadeiro a si perguntou:
─ Pai do céu, que luzinha estranha será esta? Meu Deus será o ET?
            Nessa hora, como tinha sempre uma grande coragem, firma a vista na direção da maldita luz que continuava a aumentar e diminuir, de modo insistente. Após caminhar rumo ao foco luminoso, já de arma em punho resolveu dizer uma frase. Com os olhos arregalados, aproximou-se mais um pouco e repetiu a mesma sentença. Não houve resposta.
            O destemido senhor chegou ainda mais perto, momento em que percebeu dois braços enormes esticados. E no limite de sua ansiedade, pela última vez, aos berros, naquele momento, disse:
─ Aqui é o Valter Cipriano, fazendeiro da região, pra o que dé e vié, comunicano, comunicano!
            Então, bem no meio do foco de luz, saiu em um apavorado tom de voz, a seguinte comunicação:
─ Aqui é o Dito Baiano, capatais do lugá, às suas orde, pitano e cagano!