terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Crônica 5 Nica, chega de escrever!!



João Batista de Freitas
Hoje você não vai escrever nada! Vai apenas ler esta história. Talvez você nem se lembre, mas na minha mente de criança foi exatamente assim que aconteceu.
Para quem não sabe, sou seu irmão mais novo, filho de D. Edith e Seu Nicanor, de quem você herdou o primeiro nome. Tinha eu aproximadamente 9 anos, e você estudava na Escola Agrícola em Pinhal, nos visitava apenas nas férias, quando mamãe se enchia de alegria ao ver a casa cheia – éramos cinco irmãos e uma irmã. Muito pobres, vivíamos com dificuldades, tendo dinheiro apenas para o sustento – sem geladeira, sem TV, sem carro, sem telefone. Mas tínhamos uma velha “vitrola” (para quem não sabe o que é, explico que é um toca-discos antigo com rádio Am), cujo dial havia quebrado e você mesmo havia refeito com caneta de pena e tinta nanquim – sim, o dial era apenas uma peça de plástico, nada digital como conhecemos hoje.
Mamãe havia lhe dado dinheiro para você comprar comida. Você foi, comprou, entregou o pacote pra mamãe e com as mãos nas costas pediu:
- Mamãe, daquele dinheiro sobraram 2 cruzeiros, eu posso ficar com eles? – Meio sem jeito, ela respondeu que sim, afinal, não estava entendendo nada.
Você então disse:
- Ainda bem, porque já gastei mesmo (tirando a mão das costas e mostrando um disco). Comprei este disco mais barato (o vinil era um 78 rotações, com um pequeno pedaço quebrado, o que dificultava colocar a agulha para tocá-lo, mas não atrapalhava ouvir a música).
         Senhores: era o primeiro disco que tínhamos para tocar na velha eletrola – sinônimo de vitrola. Nunca vou esquecer os primeiros acordes de Ray Conniff interpretando Aquarela do Brasil no lado A – no momento estou tentando lembrar a música do lado B. Até o final acho que me lembrarei.
Aviso aos navegantes: o vinil de 78 rotações tinha um tamanho intermediário entre o conhecido LP – bolachão – e os compactos simples e duplos. Funcionava assim: Os LPs normalmente vinham com 6 músicas de cada lado, os compactos simples com uma música de cada lado, os compactos duplos com duas músicas de cada lado e o 78 rotações também com apenas uma música de cada lado. (Seria tico-tico no fubá o lado B? – não, acho que não).
Daí você pode estar se perguntando: - E daí? Eu também tive o primeiro celular, o primeiro ipod, primeiro tablet, primeiro sei-lá-o-quê de tecnologia.
Então eu respondo:
Primeiro: os tempos eram outros – tipo grande recessão americana – e o dinheiro era raro mesmo para coisas mesmo como um simples vinil. Era uma espécie de “luxo” para nós.
Segundo: Lá em casa todo mundo gostava muito de música. Vivíamos ouvindo a ZYI-4 -Rádio Imbiára de Araxá que, cá entre nós, tinha um repertório bastante eclético, passando do sertanejo a músicas orquestradas e grandes sucessos internacionais, como Pat Boone e Elvis Presley. Por conta de amor pela música, ganhei mais tarde um velho violão em que o próprio Nicanor me ensinou as primeiras notas. Penso que o Luiz também tenha aprendido com o Nicanor, mas também chegou a me ensinar muita coisa. Confesso que até hoje sou um péssimo violonista, mas continuo arranhando a minha “viola”.
Terceiro: Tivemos outros discos, de Zé Fidelis a Beatles, de “promoções Kolynos” até Elvis Presley, mas o primeiro amor a gente nunca se esquece. E, com certeza, por causa daquele primeiro disco, a música passaria a influenciar totalmente a minha vida e de meus filhos. Quando completei 16 anos, fundamos a banda “Pink Panter Band”, que tocou no Clube Brasil – chique, não? – e até hoje arranho meus acordes no grupo de louvor da minha igreja.
Mas o mais importante é que transferi este gosto musical aos meus filhos, principalmente ao Rafael, que hoje é vocalista em 3 bandas aqui em Campinas, além de tocar alguns instrumentos (claro, bem melhor do que eu) tais como teclado, guitarra, violão, contra-baixo, piano, etc).
Bem, continuo tentar lembrar o nome da faixa B do velho 78’. Ah, claro, era “Besame mucho”, única música latina que os Beatles gravaram. Por sinal, estou ouvindo a mesma gravação agora em meu moderno laptop com som digital.
         Nica, se nunca te disse, agradeço agora por aquele pequeno presente que nos deu em tão remota era – afinal, você voltou para S. Paulo e o 78’ ficou em Araxá.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Crônica 4 Urbi et Orbi


                                                  URBI   ET  ORBI

                                          Vai, pombo correio, leva esta mensagem ao rebanho de Deus;
                                                        Não te percas nos ares; não deixes que a Terra seja de Ateus.  (JCN)
                                                                                                                                                              
       “À Cidade (Roma) e ao Mundo”, assim poderia ser traduzido o título desta crônica. Assim são chamados os discursos e bênçãos do Papa quando fala aos católicos – e não tão católicos – desde o Vaticano. Como ele andou por aqui na semana passada, o meu amigo Trasmontano insistiu nesta crônica, e com este  título mais uma vez em latim, como em alguns textos mais recentes. E não é porque saiba muito – na verdade não sabe nada - dessa língua quase morta que, para seu pesar, mal  sobrevive em rituais mais solenes da Igreja Católica, e em centenas de expressões jurídicas e científicas, usadas não porque não possam ser substituídas por sistemas linguísticos mais modernos, mas para dar-lhes um caráter de universalidade; como homenagem à origem do Direito moderno nos Fóruns romanos; e para preservar o uso consuetudinário em Fóruns científicos. Não, ele não sabe nada dessa língua estranha, mas tem verdadeiro fascínio por ela, desde criança, quando em sua aldeia, como coroinha, ajudava na celebração da missa, toda em latim. De lá para cá, os ecos de seu precoce conhecimento foram sendo apagados pela longa distância de 50 anos que separa aquele deste tempo. Agora, que tem todo o tempo do mundo, sobra-lhe preguiça e falta-lhe coragem para retomar o aprendizado. Parece mais preocupado em não desaprender o que aprendeu, do que agregar novo saber. Que Pena!

       Houve um desvio de rota na intenção do tema, pois mal entrou o Papa, e logo desviamos para o latim, como se ambos fossem uma entidade única. Culpa do meu amigo, que às vezes parece ter bicho carpinteiro no cérebro: não consegue concentrar-se num só assunto. Então, retornemos à figura do Papa e às mensagens que ele envia desde Roma por meios etéreos, ou quando as leva pessoalmente aos seus pastores , e ao seu rebanho, estejam onde estiverem. É indiscutível o carisma que exerce o líder máximo de uma religião, não importa qual seja. Há sempre um misto de fascínio, de respeito, de veneração, de idolatria, de humildade em torno da figura humana e deística ao mesmo tempo; pouco importa o peso de modernidade ou conservadorismo – que parece predominante nele - que ele defenda para os dogmas da sua doutrina. Ainda que quase um noviço no exercício do papado, se  comparado ao seu antecessor João Paulo II, Bento XVI conseguiu provocar uma enorme mobilização religiosa, e um aparato de máxima segurança, por parte dos fiéis da Igreja Católica, das autoridades, e de outras Igrejas, durante a semana que aqui esteve para ungir a canonização do Frei Galvão, primeiro santo genuinamente brasileiro. Foi visível o frisson causado nas ruas por onde ele passava, e na vigília que os fiéis lhe fizeram do lado de fora do Mosteiro de São Bento –  mera coincidência com o nome que ele adotou para seu papado – no qual se hospedou em São Paulo. Também não passou desapercebido o beija-mão das maiores autoridades do país, nem tampouco a dos líderes de outras religiões num encontro ecumênico em que não faltou um estranho pedido de perdão do Rabino judáico – por pecadilho público então recentemente cometido em Miami – e até o líder islâmico, que presenteou o Papa com um de seus paramentos usados nos ritos muçulmanos.

       Como todo muçulmano almeja ir um dia a Meca, todo católico quer ir a Roma; e, uma vez lá, se não for ao Vaticano ver o Papa..., sabe-se lá que espécie de católico estaria eu aqui a descrever! Pois não é que o meu amigo Trasmontano, católico desde criancinha, conseguiu ir seis vezes a Roma sem cumprir esse ritual!? Pois é, só na sétima ida à cidade eterna é que, quase arrastado por um companheiro de empresa e de viagem, logrou, finalmente,  ir ao Vaticano. Não era um dia qualquer; era um Domingo de Páscoa, e aquela imensa Praça, daquele minúsculo Estado, num frio de primavera européia, toda tomada por um formigueiro de fiéis, e de outros nem tanto. E lá estava, com toda a pompa e circunstância que a liturgia do cargo, a data, e o ritual exigiam, João Paulo II – talvez o mais carismático Papa  dos dois últimos séculos - falando à sua urbi para os fiéis ali presentes e de todo o mundo. O meu amigo já havia tido duas ligações, ou coincidências, no mínimo curiosas, com esse Papa. Num 13 de maio, que ele já não recorda o ano, chegava a Santiago do Chile e, ao tomar o táxi para ir ao hotel, ouviu pelo rádio a notícia de sua primeira tentativa de assassinato por um fanático turco. Anos depois, ao desembarcar mais uma vez na mesma Santiago do Chile, ao tomar o táxi para o hotel, novamente a notícia de seu segundo atentado, desta vez em Fátima. Talvez por isso ele se tenha deixado tomar pela enorme comoção que toda aquela floresta de gente transmitia, como energia, através de invisíveis fios radiculares.

       Em alguma de outras crônicas já descrevi meu amigo como um agnóstico; católico, pero no mucho, mas facilmente tomável de uma estranha comoção diante de pessoas, imagens ou monumentos sacros de elevado valor religioso. Foi assim em suas várias passagens pelo Santuário de Fátima; pelo da Virgen de Guadalupe, no México; ou ainda quando viajou quase ao lado da Madre Teresa de Calcutá, num vôo do Panamá a New York, em 1986, pela antiga e extinta Panam. Só as pessoas de verdadeiro valor e carisma podem provocar uma comoção coletiva como a que ocorreu nesse vôo. Ainda que, visivelmente, muitos fossem não-católicos, todos os passageiros – e meu amigo não foi uma exceção - foram buscar uma palavra de carinho, de conforto, talvez uma benção, junto àquela senhora, já um pouco envelhecida pelo seu intenso  trabalho de benemerência na Índia, mas com seu semblante de bondade, de paz, de altivez, de energia e de coragem. E ela a todos atendeu com a mesma atenção e serenidade. Os cânones podem demorar com seu processo, mas ela será santificada. Meu amigo lembrou-se dos milhões de fiéis que buscam santuários, ou simples imagens, numa atitude mista de fé, de delírio, de gratidão, de esperança, de penitência, de fanatismo, de auto-flagelo, e até mesmo de loucura; um estado de espírito no qual o que menos importa é a razão, substituída e sublimada pela emoção. Ao receber da Madre Teresa a sua benção oral e escrita – à qual apôs seu autógrafo – também  não se conteve e...chorou.

      Urbi et Orbi é, com certeza, a mensagem mais antiga - e propositalmente globalizada - da Humanidade. Vem desde a fundação da Igreja Católica e tinha como objetivo atingir todo o recanto da Terra onde houvesse um católico. Demorou muito para que os católicos ocupassem todos os recantos, imagine-se quanto demoraria para que a benção do Papa alcançasse a cada um deles, naqueles tempos sem telégrafo, telex, fax, rádio, televisão, e nem sequer internet. Quando chegava uma, já deveria haver várias outras a caminho, trazidas por uma imensa e caótica rede de arautos. Imagine-se, também, o quão pouca fidelidade guardaria o sentido da mensagem original, com a interpretação final dos fiéis, após tantos ruídos na transmissão boca-a-boca, e até na cópia de mensagens manuscritas. Por serem raras, todos queriam ouvir a palavra do Papa e seus Bispos, e a aceitavam como dogma incontestável. Hoje, com a comunicação instantânea por todo o Planeta, a mensagem dos sacerdotes da Igreja tornou-se vulgar e comum, não muito diferente da palavra dos políticos de plantão em qualquer época. Já não tem a força espiritual do passado, e muito menos a sua  obediência. E ao nosso Governo, que o Papa o bendiga, ou excomungue de vez. In nomine patre et filiu et spiritu sanctu. Amem!

JCN – MAIO - 2007
PS.: Hoje, 11/02/13, o Papa Bento XVI renunciou ao papado, ao reconhecer que não reúne mais condições físicas e espirituais para conduzir o mundo católico. Admiro a sua coragem, e acho que muitos políticos deveriam fazer o mesmo, por motivos morais.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Causo 79 Outra do meu neto...




Nicanor de Freitas Filho
            Em meados do ano passado, este meu querido neto, agora já com 69 meses, chegou em casa, vindo da Escola Infantil (Prezinho, como é conhecido) e deu-me uma aula de astronomia. Contou-me que o Sistema Solar tem 9 planetas, que o mais quente é o Mercúrio, porque fica mais perto do Sol e que o mais frio é o Plutão, porque fica muito longe do Sol, mas que só tinha gente no Planeta Terra, e mais um punhado de informações, que eu nem me lembrava. Abrindo a agenda da Escola, verifiquei que a Professora pedia que, se os Pais tivessem alguma literatura a respeito para enviar a ela para dar maior dinamismo às aulas.
            Lembrei-me então do Atlas Enciclopédico Internacional da Editora Michalany, Edição do ano 2.000 que eu guardei quando o imprimi, na Gráfica da Editora do Brasil. Lá, além das bandeiras de todos os países que ele gosta muito de apontar e dizer qual bandeira é de qual país, tem vários assuntos, inclusive o Sistema Solar. Li para ele toda a página do Sistema Solar. Como ele gostou, eu então colei o nome dele na capa do Atlas, colei um “post-it” para marcar a página que tratava da matéria e enviei para a Professora dele, juntamente com um CD onde gravei algumas lindas imagens e informações sobre os 9 planetas do Sistema Solar, que peguei na Internet. (Nota 1: Já estava em discussão se o Plutão deixaria ou não de ser Planeta e seria apenas um “nanico”)
            Pouco tempo depois uma sobrinha minha, tomou conhecimento do interesse dele pelos “planetas” e deu para ele um Planetário Interativo Gemini, que tem várias informações e é na verdade um brinquedo pedagógico eletrônico. Muito bom mesmo! Dá várias informações sobre cada planeta e depois tem a tecla das perguntas. É o que ele mais gosta, pois guarda as informações com facilidade, principalmente os números. Numa tarde dessas, chamou-me para “jogar” com as perguntas do Gemini. Cada um respondia uma pergunta e íamos marcando. Como eu estava “ganhando”, ele, como sempre que está perdendo, procura “melar o jogo”, então, me disse para contarmos quantas “luas” (satélites) tinham no total do Sistema Solar. Eu comecei a contar no Gemini, pois tem o mapa dos planetas com os respectivos satélites. Contei e disse 65. Ele contestou imediatamente. “ – Você contou errado vovô.” Contei de novo e ainda apertamos as teclas de cada planeta, pedindo o número de satélites. Fui anotando e somei. Deu 65. Então ele se levantou, foi até à estante pegou o Atlas da Michalany, abriu na página marcada com o “post-it” e mostrou-me um texto em letras azuis, dizendo para eu ler. Lá está escrito: “O Sol é o centro do Sistema Solar. É 1.300.000 vezes maior que a terra, com temperatura de 6.000º C na sua superfície. Ao seu redor giram nove planetas, 61 satélites ou luas...” Quando acabei de ler ele foi logo dizendo: “ – Não disse que você errou? Eu lembrava que eram 61 e não 65.”
            Faz, pelo menos, 6 meses que eu tinha lido para ele o texto acima e ele guardou a quantidade de satélites!!! Eu nem me lembrava...Cabecinha boa, hein?
            (Nota 2: Aí tive que ir para Internet pesquisar o “erro”. Ocorre que o Atlas é do ano 2.000 e no ano de 2003 foram acrescentados mais 3 satélites para Urano e mais 1 para Júpiter, ficando assim 65 satélites. Aliás, descobri que é uma coisa muito discutível, pois tem satélites que são “instáveis” e alguns astrônomos consideram e outros não.)