sábado, 29 de dezembro de 2012

Feliz Ano Novo

Desejo a todos os amigos e leitores um excelente Ano Novo e que se realize todos seus projetos e desejos. Que Deus lhes proteja!
Sejam Felizes!
Nicanor

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Causo 76 Gaijin


                                                                          A cara do ocidental,
                                                                          Sob a ótica do oriental.
          
José Carlos Neves     
                                                                                                                
      Em um mês e dia quaisquer de 1971, ao subir, ao lado da Eiko, uma ladeira de Ouro Preto, o meu amigo Trasmontano percebeu que um menino de 8 a 10 anos os acompanhava com discreta curiosidade; em seguida, veio mais um, e mais um e mais..., até que o primeiro – ao sentir-se protegido por um já bom número de amigos – não resistiu e começou a convidar, pública e sonoramente: “vem ver, vem ver,...vem ver a japonesa com outro cara!”. Pois é, o outro “cara” era o meu amigo; e a japonesa era a sua mulher. Para a garotada – e até para alguns adultos mais discretos – era ainda uma cena inusitada: ver um rosto oriental fazendo par com outro ocidental. É claro que ver turistas orientais nas ruas de Ouro Preto não era incomum, mas ver um casal misto era quase uma cena de circo. Casados naquele ano, e com mais  dois anos de namoro e noivado, ambos já haviam passado por situações parecidas, até mesmo em São Paulo, cujo cosmopolitismo não impedia as fortes barreiras sociais que um pequeno número de pioneiros ia rompendo gradativamente.

      Mas foi nessa cidade de tradicional família mineira que o meu amigo sentiu-se pela primeira vez um gaijin, do ponto de vista ocidental,  sem que ao menos a garotada soubesse da existência e significado dessa palavra. Para aquelas criaturas, o meu amigo não podia ser brasileiro; trasmontano, nem pensar; americano, russo, esquimó, extra-terrestre? Não! Ele era um CRNI – Cara de Raça Não Identificada, pois só um tipo raro assim é que poderia acompanhar a “japonesa”, além de outro “japonês”. Até 1957, quando o meu amigo emigrou de Portugal rumo ao Brasil, ele jamais havia visto um rosto oriental, desses com cara bem asiática, mesmo que ainda sobrevivessem algumas colônias portuguesas na Ásia, como Macau e Timor, além de os próprios portugueses haverem sido os primeiros europeus a entrarem no Japão,  e a terem um intenso relacionamento entre 1543 e 1639. Nos primeiros dias de Brasil, na sua inocência infanto-juvenil, ainda pensava que todos aqueles rostos diferentes pertenciam a alguma grande família, teoria reforçada pelo fato de que raramente via algum deles conversar com ocidentais. O meu amigo, ainda na sua limitada trasmontanice, não poderia imaginar que, num futuro não muito distante, iria juntar-se indelevelmente a essa “grande família”.

      Passados quase 40 anos depois do episódio de Ouro Preto, meu amigo Trasmontano olha  para seu filho de rosto mestiço, ao lado de sua namorada também mestiça, e pensa nos agora milhares de outros rostos mestiços, e que em breve – no Brasil - serão mais numerosos que os rostos orientais puros. É o mundo nikkei a absorver e a ser  absorvido pelo mundo gaijin. O meu amigo é agora dono de uma mercearia oriental, e não pode deixar de notar a cara de surpresa da maioria de seus clientes, ocidentais ou orientais, ao ver um rosto não oriental no comando da loja, a indicar que o extraordinário avanço inter-racial não impediu que ele continuasse duplamente gaijin,  do ponto de vista ocidental e oriental. Ele acredita que, dentro de uns 50 anos, serão raríssimos os traços puramente orientais no Brasil -  tal o poder de miscigenação por aqui existente – a menos que os asiáticos, reforçados de coreanos e chineses, redescubram o país como a terra do futuro e das oportunidades. De qualquer maneira, o meu amigo sente um enorme orgulho de ter sido um dos pioneiros da globalização genética em que se transformou o Brasil.

JCN – FEV -  2008 
                                   (Publicado na revista Mundo OK, da comunidade nikkey)

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Causo 75 A Armadilha



 
José Carlos Neves
                                                 Não se deixe iludir pelas belas uvas na parreira;
                                                             Podem estar verdes; pode haver uma ribanceira.
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                    
       Esta aconteceu ao meu amigo Trasmontano, e é verdadeira, porque eu fui testemunha da história. Na sua aldeia, naquela época - teria ele uns cinco ou seis anos - além do pião,  não havia quase nada que se parecesse com um brinquedo. Então, o passatempo preferido da petizada era nadar - quando a ribeira e os pequenos diques para regar não estavam secos - fazer bolas de neve e atirá-las uns contra os outros, ou acender fogueiras, quando o inverno lhes era magnânimo; jogar ao fito (espécie de malha, com pedra plana); percorrer hortas e pomares, nos quais sempre achavam um tomate ou nabo; algumas cerejas, figos, nozes, peros, peras, castanhas, ou pêssegos. Algumas vezes o faziam com o consentimento dos donos - quase sempre havia um de seus filhos  na malta - e em outras, sem autorização mesmo.

       O meu amigo também participava de algumas dessas inocentes traquinagens infantis, mas ele tinha preferência por buscar cachos de uvas esquecidos na esteira das vindimas, ainda pendentes das parreiras e, preferivelmente, já bicados pelos pássaros que, na sua ornitológica sabedoria, sabiam quais eram os mais doces. Mas,  do que ele mais gostava  era pegar emprestado o canivete do seu tio Zé, ir para um meloal, procurar o melão mais amarelado e maduro, cortá-lo do pé, abri-lo e lambuzar-se todo na sua refrescante, suculenta e doce polpa. Entretanto, se ele sempre havia sido caçador, um dia tocou-lhe ser, literalmente, a caça. Numa de suas incursões, no meio da tarde, por um daqueles meloais, próximos à aldeia, procurava um fruto mais maduro quando, de repente, sentiu um enorme impacto na sua perna direita, como se ela tivesse sido parcialmente engolida por uma enorme bocarra de metal saída de dentro da terra. Isso mesmo: acabara de ser agarrado por uma pesada e serrilhada armadilha de ferro, que o dono do meloal armara para agarrar visitantes indesejáveis, como coelhos, lebres e raposas. Por certo não esperava agarrar predadores humanos, mas, se esse fosse o caso, não custaria nada que eles também aprendessem a não meter-se onde não deviam.

       A armadilha era muito apertada para que meu amigo conseguisse abrir-lhe as mandíbulas, e demasiado pesada para que um miúdo de 5 ou 6 anos pudesse arrastá-la, com a perna presa dentro dela, e para que pudesse sair sozinho dali. Embora estivesse perto, não o era o suficiente para ser visto da aldeia, nem para que seus gritos e choro fossem ouvidos por alguém. Bem que ele tentou, mas em vão. A tarde foi passando, e a noite chegando, e com ela um segundo medo: o de que aparecesse algum dos animais para os quais a armadilha havia sido preparada; talvez tivesse a companhia de uma raposa ou, pior que tudo, algum lobo ou, ainda, alguma cobra que resolvesse arrastar-se por ali. O luar já havia iluminado, parcamente, o meloal - até podia ver os difusos e bruxuleantes focos de luz das candeias, através das frestas de janelas e postigos das casas da aldeia -  e o meu pobre amigo já não tinha mais voz, nem esperança, quando, como anjos salvadores, viu 3 ou 4 pessoas com lampião, vindo a passos ligeiros, em sua direção, e sem cuidados com os melões, tendo à frente o seu tio.

       É desnecessário descrever o alívio sentido pelo então ainda pequeno Trasmontano. E como, até aquele momento,  não sabia se sentia mais medo ou dor, com a chegada do socorro, sentiu-se livre de ambos - além da armadilha - e lá se foi nos braços do tio, seu cada vez mais herói. Pois foi esse mesmo tio que desconfiara dos locais onde poderia encontrá-lo, embora nunca lhe passasse pela cabeça que estivesse preso a uma armadilha. Nesse dia, ao voltar, já ao anoitecer, da lavoura, foi informado do sumiço do sobrinho, e de que todos já o haviam procurado dentro da aldeia, sem sucesso. Pensou um pouco sobre os lugares alternativos, e foi à procura do seu canivete. Ao não encontrá-lo no lugar habitual, não teve mais dúvidas: pegou um lampião, pediu para que dois ou três grupos de homens procurassem o sobrinho em lugares diferentes e, com uma intuição de quase certeza, ele liderou o seu grupo para o meloal ao lado das cortinhas, na saída da aldeia. O resto, o leitor já sabe; o que não sabe é que havia sido o tio- então já adolescente, mas que também havia sido menino - que lhe ensinara as artes de usar o canivete, e a descobrir as delícias dos melões e das melancias. O que nunca ficou claro, para o meu amigo, foi se o seu tio se esquecera de alertá-lo sobre o perigo de o homem cair nas próprias armadilhas, ou se, propositalmente, o deixou que aprendesse por si mesmo que, na vida real, elas não mandam aviso prévio.

sábado, 15 de dezembro de 2012

Causo 74 Os Apelidos na Agrotécnica



Alfredo Francisco José Soja
            No início do ano, os novos alunos, quase todos, ou talvez mesmo todos, recebiam um apelido. Se o apelido pegava, quase ninguém aprendia o nome do colega. Quem escapava, raramente, em época posterior, era apelidado.
            Às vezes o apelido era herdado... Um colega, baixinho, tinha o apelido de “Paquito”. Formou-se, saiu da Escola. No ano seguinte, um dos novos alunos, também baixinho, não escapou: ficou sendo “Paquito”, mesmo sem nem sequer conhecer o “xará”.
            Também acontecia o caso de um irmão (ou outro colega) receber o apelido no diminutivo: havia o “Bambu” e seu irmão era o “Bambuzinho”, “Ximbicão” e “Ximbiquinha”, “Surtico” e “Surtão”, “Galã” e “Galãzinho”, havia o “Cabide” e o “Cabidinho” (estes não eram irmãos).
            Muitos apelidos eram nomes de animais: “Boi”, “Ganso”, “Lagarto”, “Tatu”, “Grilo”, “Cão”, “Tucano”, “Formiga”, “Lagartixa”, “Rato”, “Sapo” (que passou por um episódio edificante o qual vou contar adiante), “Ratinho”, “Gambá”, “Gato”, “Zé Macaca”, “Mula”, “Rato Magro”, “Leãozinho”, “Burro Preto”, “Quati”, “Manjuba”, “Mutuca”, “Frango”, “Cachorro Louco”, “Marreco”, etc. Este último viera de outra escola agrícola, onde tinha o apelido “Capão” e até as meninas da cidade assim o chamavam, segundo ele mesmo contou. Quando mudou para nossa Escola, não queria que o antigo apelido vingasse também no novo ambiente. Armou um plano: iria brigar com o primeiro que tentasse dar-lhe um apelido bonito ou, ao menos, não pejorativo... Seu plano deu certo: quando o “Chocolate” o chamou de “Marreco”, ele armou um bate-boca, o novo apelido pegou e ele livrou-se da velha alcunha que não o agradava.
            Alguns apelidos eram um tanto genéricos: “Mineiro”, por exemplo, atribuído a quase todos oriundos do Estado vizinho. Mas, havia o “Mineirão” e o “Mineirinho”. De um modo geral eram chamados de “Bodes” todos os que tinham sangue japonês (e havia muitos na Escola naquele tempo). Os “Biscoitos” eram os holandeses. Havia, é claro, o “Baiano”, o “Barriga Verde”, o “Baianinho”. Outros eram conhecidos pelo nome do lugar de onde vieram: “Borda”, por vir de Borda da Mata, “Campestrinho” por ser de Campestre, ambas cidades de Minas, também “Santista”, “Santistão”, “Paulista”, “Tietê”, “Itapira”, “Cataguá”, etc.  Houve também um “Tcheco” e um “Alemão” ambos verdadeiramente oriundos daqueles países.
            De uma maneira geral, todos aceitavam seus apelidos, mesmo depois de formados, mas, segundo me contam, o “Formigão” não admite que algum antigo colega o chame assim... O azar é dele: ninguém vai esquecer seu nome de guerra.
            Lembro de colegas que tinham dois apelidos e atendiam pelos dois: um era “Ponce” e “João Vermeio”, outro “Gudum” e “Carioca”, outro “Itapetininga” e “Nicão”, outro “Levindo” e “Pacheco”, outro ainda “Duque” e “Brodósqui”.
            Certamente não vou lembrar todos, mas ainda me ocorrem: “Vô”, “Butinão”, “Gordo” (e nem era tão gordo), “Teco”, “Bola Quatro”, “Bola Sete”, “Pernalonga”, “Véio”, “Juru Poca”, “Sorveteiro” (sua namorada era filha do dono da sorveteria), “Fu Manchu”, “Feijão” (fez um discurso sobre o valor do feijão...), “Dudu”, “Barão”, “Chucrute”, “Boiadeiro”, “Pulim”, “Banquiva”, “Pinga”, “Mixirica”, “Turco”, “Dutrinha”, “Soneca” (não sei se era dorminhoco...), “Torrada” e “Goioba” (estes dois muito bons na fanfarra da Escola), “Chinesinho”, “Chocolate” (na primeira vez em que chegou na Escola veio vestido de marrom...), “Pito”, “Padreco”, “ Cabelo” (êta sanfoneiro!), “Chimbrinha”, “Ceguinho”, “Português”(haviam dois), “Morto”, “Ponto Morto”,”Hy-Fy” (ou “Rai-Fai”), “Goianinho” (protagonista de um episódio famoso, anterior ao meu tempo), “Kim”, “Picão” (era alto e magro), “Xepa”, “Taquara”, “Currupaco”, “Nhapeva” (em língua indígena peva seria pequeno, coisa que aprendi muito mais tarde) “Paineirinha”, “Gualicho”. Este último é um “causo” que merece ser contado: em uma corrida de cavalos famosa, acho que se chamava “Grande Prêmio Brasil”, ganhou um animal com o nome de Gualicho. Ora, alguém tinha que pegar este apelido. O cavalo em questão tinha uma bela crina, logo, um colega que era topetudo, tinha um vistoso cabelo, ficou sendo o próprio...
            Acontecia de alguns terem pequena adaptação do próprio nome: “Miltinho”, “Zé...”(diversos), “Lucinho”, “Robertão”, “Benê”, “Chico”, “Bifão”, “Lelo”, “Rui Bocudo”, “Mané Expressinho”, “Mané Chofer de Praça”, “Dito Calça Curta”, “Lelei”, “Ailton Louco”, “Tomitinha”, “Tosinho”, “Mor” (porque apareceu com as iniciais do nome bordadas na sua camisa), “Faé”,  “João Galinha” (gostava do aviário...), etc.
            Afinal, um apelido talvez signifique um “status” de pessoa aceita entre seus colegas, talvez dê um certo ar de familiaridade, intimidade ou coleguismo.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Causo 73 Como era a Escola Agrotécnica de Pinhal



Alfredo Francisco José Soja
            A nossa Escola era acolhedora. Quando, hoje, vejo as árvores do bosque, os campos de lavoura, as salas amplas, tudo sem a balbúrdia das escolas urbanas, lembro como era a Escola e sei que fomos felizardos por termos estudado ali. É lamentável como deixaram tantas instalações e equipamentos se deteriorarem até se acabarem! O que fizeram da seção de Laticínios? De Marcenaria? De Selaria? De Ferraria? De Máquinas e Motores (torno mecânico e outras máquinas)? E de tantas outras coisas...
            Porém, voltando no tempo, lembro que, como em qualquer outra escola, primeiramente se fazia a matrícula. Mas, por ser um internato, este ato era desdobrado em várias outras providências. Os alunos, de várias idades e procedências, recebiam algum equipamento (caneca, às vezes cobertor) e instruções de como agir (embora acabássemos aprendendo muito mais sobre os aspectos práticos da vida escolar com os veteranos). Nada como o dia-a-dia para nos ensinar a viver e a sobreviver. Os responsáveis pelo bom andamento do internato nos indicavam a cama onde íamos dormir, os dois armários que iríamos ocupar, etc. Até no refeitório nosso lugar não era aleatório (mais tarde isto foi liberado). O Professor Rubens Campi, para cada aluno do Curso Técnico, entregava uma prancheta de desenho com sua respectiva régua “T”!    Alguns detalhes: havia horário para entrarmos no dormitório (só à noite!) e para acessarmos os armários “internos”. Só os armários “externos” eram liberados. Aliás, havia horário rígido para acordar, para as refeições, para estarmos de volta da cidade (nos dias em que a saída era livre), etc. Apesar das restrições e da rigidez de certas normas, logo todos os “bichos” estavam enturmados, vivendo e sobrevivendo numa boa, estudando, trabalhando, comendo com grande apetite e dormindo bem. Havia várias opções de lazer: desde ouvir radinho de pilha, ouvir o alto-falante do bosque (transmitindo o programa de rádio “Mil discos é o limite”), jogar futebol, ou praticar outros esportes, e ir à cidade, onde se podia pegar um cinema, namorar, jogar bilhar (para os que tinham dinheiro para pagar o aluguel – por hora – da mesa), etc. Acho que naquele tempo ainda não haviam inventado certos males atuais: não me lembro de ninguém que tivesse depressão ou fosse seriamente desajustado. Não se falava em problemas de drogas. Embora não fôssemos anjos, nossos deslizes de conduta sempre foram mínimos em comparação com os que os professores nos confessavam presenciar em outras escolas já naquele tempo.
            Como disse o Zanini: “havia um certo nivelamento. Quem era muito tímido, aprendia a ser um pouco mais “saído”. Quem era muito valente, acabava encontrando outro que lhe tirasse a valentia. Quem não era de briga, ao menos aprendia a se defender, a ter um pouco de esperteza. Quando alguém lavasse roupa e a punha para secar, dizia-se que era preciso ficar de olho aberto: se piscasse, poderia sumir um par de meias...”
            Apesar de todos desenvolverem a autodefesa com vivacidade, também se praticava a solidariedade, até nas pequenas coisas. Quando alguém tinha uma laranja, descascava-a e já dava a “tampa” para o primeiro que pedisse. Se alguém ia fumar, então, logo aparecia o primeiro: “Deixa ‘eu’ acender!” Aceso o cigarro, o dono do dito cujo começava a fumar, vinha o segundo: “Deixa ‘eu’ dar uma tragada!”. Passada a metade do cigarro, continuava a “fila” dos “filantes”: “Me dá a tica!” A ponta que ia sobrar passava para o outro e não devia ser muito pequena, pois ainda aparecia, às vezes, mais um: “Me dá a bis-tica!”

domingo, 9 de dezembro de 2012

Causo 72 Histórias do Futebol Araxaense.


                                                  
Alcino de Freitas
  Contadas por Agnelo Guimarães Borges, membro da Academia Araxaense de Letras.

CHUTEIRAS REPETIDAS.

            Nos meus tempos de juventude, e apaixonado pelo futebol, atuei por algumas equipes amadoras de Araxá, entre elas o CIT Futebol Clube. Além dos inúmeros amigos que a convivência sadia me legou, tive a oportunidade de observar e anotar no meu íntimo, passagens interessantes e histórias advindas de ações e atitudes dos companheiros do futebol. Uma das pessoas que me marcou, e muito, foi o então presidente, treinador, massagista, roupeiro, e torcedor do CIT, o estimado José Gonçalves Rosa, o José Adelino para os íntimos.
            Apaixonado pelo futebol e pelo seu time, com sua simplicidade em acurada sintonia com a vontade de que sua equipe sempre estivesse em evidencia, tinha cuidados extremos e muita dedicação aos seus jogadores. Entre tantos fatos que presenciei, ou ouvi contarem, destaco três que me chamaram a atenção, e que passo a narrar, sempre aumentando um ponto para tornar o conto mais alegre!
            Num domingo, logo após o almoço, a delegação do CIT foi transportada para Ibiá pela “jardineira” do senhor Juca Guilhermino, que durante a semana fazia a ligação Araxá-Tapira. Na partida preliminar, debaixo de um sol de fritar ovo na careca dos menos providos, os “cascudos” do CIT já estavam a apanhar do Ferroviário por um placar tranqüilo a favor dos ibiaenses. Um jovem atleta, integrante de uma conhecida família araxaense, disposto a jogar naquele dia, azucrinava o ouvido do técnico Zé Adelino. Uniformizado, com as chuteiras luzindo a graxa que o diretor a elas destinara, com as mãos na cintura, pedia porque pedia para entrar. Queria, segundo ele, ser o herói da tarde, mudando o resultado da partida. Cansado, e já nos estertores do jogo, o velho dirigente determinou a entrada do jovem rapaz. Tão logo ele entrou, o juiz apitou, sinalizando um escanteio. Ele correu para fazer a cobrança. Autorizado, ao fazê-la foi infeliz, e a bola derrapou na “graxa da chuteira”, saindo logo após pela linha de fundo. O treinador, então, desabou sua insatisfação sobre o jogador, cobrando dele uma melhor atuação. Mesmo desenxabido, e de cabeça baixa se justificou aos gritos, para alegria dos demais colegas de equipe: “- A culpa é do senhor. Olhe aqui. O senhor me deu duas chuteiras de um só pé, o esquerdo, e eu sou melhor com o pé direito.”

SEM SALAME.

            Naquele jogo, na cidade de Ibiá, onde o CIT foi derrotado pelo Ferroviário, no jogo principal e na preliminar, o Zé Adelino não engolira a atuação de alguns jogadores. Entre outros, o jovem de chuteiras trocadas estava ainda na cabeça. Primeiro, porque não jogara absolutamente nada. Segundo, porque ainda o acusara de ser culpado pela sua má atuação, por ter-lhe fornecido material incompleto.
            Tão logo terminou o jogo principal, mal deu tempo aos jogadores do time principal para um banho restaurador das energias despendidas, e já convocou todos para a viagem de volta. A jardineira da Tapira, conduzida pelo senhor Juca Guilhermino, que se fazia acompanhar dos seus familiares, que aproveitaram a viagem para visitar uns parentes, que moravam em Ibiá, largou de volta para Araxá, para vencer a poeira que, naquela época, emoldurava os contornos dos caminhos que ligavam aquelas cidades, sujando roupas e rostos, e maculando o verde da paisagem que ousava mostrar-se aos olhos dos que ainda insistiam em limpar os vidros da condução.
            Era costume do presidente levar um agrado para os jogadores. Como não o distribuíra nem durante, nem após a partida, ele resolveu fazê-lo a meio caminho do retorno. Levantando-se, puxou um saco que estava colocado sobre o banco ao lado do seu, e, dele ia retirando e distribuindo, a casa um, um pão com salame que cuidadosamente preparara na manhã daquele dia. A distribuição estava sendo feita sem parcimônia alguma. Todos eram contemplados na sua própria poltrona. Até que chegou a vez do jovem atleta, que estava postado numa das ultimas acomodações daquela jardineira. Assim que deu fé do próximo a ser agraciado, o Zé Adelino parou, pensou, resolveu e agiu. Retirou o salame de dentro do pão, e entregou-o ao jovem atacante, e num tom ríspido, lhe asseverou: “- Você não jogou nada! Não merece o salame. E olhe nem mesmo o pão você merece. Mas, seja lá Deus quer...”

COM DEZ OU COM DOZE.

            Estádio Municipal Fausto Alvim, o majestoso da Avenida Imbiara. Foi construído por Fausto Alvim, quando prefeito, e tem sido palco de inúmeros acontecimentos esportivos. De outros também. Muitos craques deixaram marcas indeléveis na memória dos torcedores araxaenses. Muitas equipes ali escreveram páginas importantes nos registros de suas histórias. E, entre outros momentos, sustentou treinamentos da Seleção Brasileira, de grandes clubes futebol brasileiro e serviu às nossas equipes amadoras nas suas preparações semanais e jogos domingueiros.
            Numa tarde de quarta-feira, com muita chuva e lama, como nas semanas anteriores, o plantel do CIT se preparava para mais uma participação no campeonato promovido pela LAD, então presidida pelo Fio, o Senezomar de Aquino.         Acompanhando o treinamento dentro de campo, o Zé Adelino. Apito na boca, chapéu na cabeça, roupa encharcada, o treinador-presidente conduzia o treino da melhor forma possível. Apitava pouco e falava menos. Mas, às vezes, tentava impor algumas fórmulas para a equipe jogar. Os atletas se esforçavam para cumprir as ordens do indigitado diretor, algumas delas impossíveis de serem realizadas, pois a qualidade técnicas de alguns atletas deixava a desejar e a condição física faltava a muitos, obrigados ao trabalho que, àquela altura de fim de tarde, já exaurira muito do seu desempenho. Mesmo assim, o entusiasmo e a vontade de jogar bola estavam a superar, ou pelo menos equilibrar, o desejado com o possível de ser feito. Depois de cerca de 30 minutos de muita correria e não menos aguaceiro, eis que o treinador resolve, numa surpresa atitude, tirar um dos jogadores do time tido como principal, passando este a jogar com apenas 10 jogadores. Vendo as coisas mais difíceis, alguns começaram a reclamar da atitude tomada pelo Zé Adelino. Este com tranquilidade e ciente do que fizera, matreiramente explicava: “- Estamos treinando uma situação de jogo. Vai que o juiz expulsa um, e temos de jogar com apenas 10 jogadores. É sempre bom estar preparado para qualquer situação. Vamos treinar desse jeito.” O mais agitado dos jogadores acidamente replicou, indagando do técnico, com expressiva dose de razão: “- É pode ser. A ideia seria boa, se o senhor não o colocasse no outro time, que agora está jogando com 12. Isto não vai acontecer no jogo. Ou vai?” O técnico havia colocado o jogador no outro time, para ele não ficar sem treinar. Coisas do dedicado Zé Adelino...