Desejo a todos os amigos e leitores um excelente Ano Novo e que se realize todos seus projetos e desejos. Que Deus lhes proteja!
Sejam Felizes!
Nicanor
sábado, 29 de dezembro de 2012
segunda-feira, 24 de dezembro de 2012
Causo 76 Gaijin
A cara do ocidental,
Sob
a ótica do oriental.
José Carlos Neves
Em um mês e dia
quaisquer de 1971, ao subir, ao lado da Eiko, uma ladeira de Ouro Preto, o meu
amigo Trasmontano percebeu que um menino de 8 a 10 anos os acompanhava com
discreta curiosidade; em seguida, veio mais um, e mais um e mais..., até que o
primeiro – ao sentir-se protegido por um já bom número de amigos – não resistiu
e começou a convidar, pública e sonoramente: “vem ver, vem ver,...vem ver a
japonesa com outro cara!”. Pois é, o outro “cara” era o meu amigo; e a japonesa
era a sua mulher. Para a garotada – e até para alguns adultos mais discretos –
era ainda uma cena inusitada: ver um rosto oriental fazendo par com outro
ocidental. É claro que ver turistas orientais nas ruas de Ouro Preto não era
incomum, mas ver um casal misto era quase uma cena de circo. Casados naquele
ano, e com mais dois anos de namoro e
noivado, ambos já haviam passado por situações parecidas, até mesmo em São
Paulo, cujo cosmopolitismo não impedia as fortes barreiras sociais que um
pequeno número de pioneiros ia rompendo gradativamente.
Mas foi nessa
cidade de tradicional família mineira que o meu amigo sentiu-se pela primeira
vez um gaijin, do ponto de vista ocidental,
sem que ao menos a garotada soubesse da existência e significado dessa palavra.
Para aquelas criaturas, o meu amigo não podia ser brasileiro; trasmontano, nem
pensar; americano, russo, esquimó, extra-terrestre? Não! Ele era um CRNI – Cara
de Raça Não Identificada, pois só um tipo raro assim é que poderia acompanhar a
“japonesa”, além de outro “japonês”. Até 1957, quando o meu amigo emigrou de
Portugal rumo ao Brasil, ele jamais havia visto um rosto oriental, desses com
cara bem asiática, mesmo que ainda sobrevivessem algumas colônias portuguesas
na Ásia, como Macau e Timor, além de os próprios portugueses haverem sido os
primeiros europeus a entrarem no Japão,
e a terem um intenso relacionamento entre 1543 e 1639. Nos primeiros
dias de Brasil, na sua inocência infanto-juvenil, ainda pensava que todos
aqueles rostos diferentes pertenciam a alguma grande família, teoria reforçada
pelo fato de que raramente via algum deles conversar com ocidentais. O meu
amigo, ainda na sua limitada trasmontanice, não poderia imaginar que, num
futuro não muito distante, iria juntar-se indelevelmente a essa “grande
família”.
Passados quase
40 anos depois do episódio de Ouro Preto, meu amigo Trasmontano olha para seu filho de rosto mestiço, ao lado de
sua namorada também mestiça, e pensa nos agora milhares de outros rostos
mestiços, e que em breve – no Brasil - serão mais numerosos que os rostos
orientais puros. É o mundo nikkei a absorver e a ser absorvido pelo mundo gaijin. O meu amigo é
agora dono de uma mercearia oriental, e não pode deixar de notar a cara de
surpresa da maioria de seus clientes, ocidentais ou orientais, ao ver um rosto
não oriental no comando da loja, a indicar que o extraordinário avanço
inter-racial não impediu que ele continuasse duplamente gaijin, do ponto de vista ocidental e oriental. Ele
acredita que, dentro de uns 50 anos, serão raríssimos os traços puramente
orientais no Brasil - tal o poder de
miscigenação por aqui existente – a menos que os asiáticos, reforçados de
coreanos e chineses, redescubram o país como a terra do futuro e das
oportunidades. De qualquer maneira, o meu amigo sente um enorme orgulho de ter
sido um dos pioneiros da globalização genética em que se transformou o Brasil.
JCN – FEV - 2008
(Publicado na revista Mundo OK, da comunidade nikkey)
quarta-feira, 19 de dezembro de 2012
Causo 75 A Armadilha
José Carlos Neves
Não se
deixe iludir pelas belas uvas na parreira;
Podem estar verdes; pode haver uma ribanceira.
Esta aconteceu ao meu amigo Trasmontano,
e é verdadeira, porque eu fui testemunha da história. Na sua aldeia,
naquela época - teria ele uns cinco ou seis anos - além do pião, não havia quase nada que se parecesse com um
brinquedo. Então, o passatempo preferido da petizada era nadar - quando a
ribeira e os pequenos diques para regar não estavam secos - fazer bolas de neve
e atirá-las uns contra os outros, ou acender fogueiras, quando o inverno lhes
era magnânimo; jogar ao fito (espécie de malha, com pedra plana);
percorrer hortas e pomares, nos quais sempre achavam um tomate ou nabo; algumas
cerejas, figos, nozes, peros, peras, castanhas, ou pêssegos. Algumas vezes o
faziam com o consentimento dos donos - quase sempre havia um de seus
filhos na malta - e em outras,
sem autorização mesmo.
O meu amigo também participava de
algumas dessas inocentes traquinagens infantis, mas ele tinha preferência por
buscar cachos de uvas esquecidos na esteira das vindimas, ainda pendentes das
parreiras e, preferivelmente, já bicados pelos pássaros que, na sua
ornitológica sabedoria, sabiam quais eram os mais doces. Mas, do que ele mais gostava era pegar emprestado o canivete do seu tio Zé,
ir para um meloal, procurar o melão mais amarelado e maduro, cortá-lo do pé,
abri-lo e lambuzar-se todo na sua refrescante, suculenta e doce polpa.
Entretanto, se ele sempre havia sido caçador, um dia tocou-lhe ser,
literalmente, a caça. Numa de suas incursões, no meio da tarde, por um daqueles
meloais, próximos à aldeia, procurava um fruto mais maduro quando, de repente,
sentiu um enorme impacto na sua perna direita, como se ela tivesse sido
parcialmente engolida por uma enorme bocarra de metal saída de dentro da terra.
Isso mesmo: acabara de ser agarrado por uma pesada e serrilhada armadilha de
ferro, que o dono do meloal armara para agarrar visitantes indesejáveis, como
coelhos, lebres e raposas. Por certo não esperava agarrar predadores humanos,
mas, se esse fosse o caso, não custaria nada que eles também aprendessem a não
meter-se onde não deviam.
A armadilha era muito apertada para que
meu amigo conseguisse abrir-lhe as mandíbulas, e demasiado pesada para que um miúdo
de 5 ou 6 anos pudesse arrastá-la, com a perna presa dentro dela, e para que
pudesse sair sozinho dali. Embora estivesse perto, não o era o suficiente para
ser visto da aldeia, nem para que seus gritos e choro fossem ouvidos por
alguém. Bem que ele tentou, mas em vão. A tarde foi passando, e a noite
chegando, e com ela um segundo medo: o de que aparecesse algum dos animais para
os quais a armadilha havia sido preparada; talvez tivesse a companhia de uma
raposa ou, pior que tudo, algum lobo ou, ainda, alguma cobra que resolvesse
arrastar-se por ali. O luar já havia iluminado, parcamente, o meloal - até
podia ver os difusos e bruxuleantes focos de luz das candeias, através das frestas
de janelas e postigos das casas da aldeia -
e o meu pobre amigo já não tinha mais voz, nem esperança, quando, como
anjos salvadores, viu 3 ou 4 pessoas com lampião, vindo a passos ligeiros, em
sua direção, e sem cuidados com os melões, tendo à frente o seu tio Zé.
É desnecessário descrever o alívio
sentido pelo então ainda pequeno Trasmontano. E como, até aquele
momento, não sabia se sentia mais medo
ou dor, com a chegada do socorro, sentiu-se livre de ambos - além da armadilha
- e lá se foi nos braços do tio, seu cada vez mais herói. Pois foi esse mesmo
tio que desconfiara dos locais onde poderia encontrá-lo, embora nunca lhe
passasse pela cabeça que estivesse preso a uma armadilha. Nesse dia, ao voltar,
já ao anoitecer, da lavoura, foi informado do sumiço do sobrinho, e de que
todos já o haviam procurado dentro da aldeia, sem sucesso. Pensou um pouco
sobre os lugares alternativos, e foi à procura do seu canivete. Ao não
encontrá-lo no lugar habitual, não teve mais dúvidas: pegou um lampião, pediu
para que dois ou três grupos de homens procurassem o sobrinho em lugares
diferentes e, com uma intuição de quase certeza, ele liderou o seu grupo para o
meloal ao lado das cortinhas, na saída da aldeia. O resto, o leitor já sabe; o
que não sabe é que havia sido o tio Zé - então já adolescente, mas que
também havia sido menino - que lhe ensinara as artes de usar o canivete, e a
descobrir as delícias dos melões e das melancias. O que nunca ficou claro, para
o meu amigo, foi se o seu tio se esquecera de alertá-lo sobre o perigo de o
homem cair nas próprias armadilhas, ou se, propositalmente, o deixou que
aprendesse por si mesmo que, na vida real, elas não mandam aviso prévio.
sábado, 15 de dezembro de 2012
Causo 74 Os Apelidos na Agrotécnica
Alfredo Francisco José Soja
No início do ano, os novos alunos, quase todos, ou talvez
mesmo todos, recebiam um apelido. Se o apelido pegava, quase ninguém aprendia o
nome do colega. Quem escapava, raramente, em época posterior, era apelidado.
Às vezes o apelido era herdado... Um colega, baixinho,
tinha o apelido de “Paquito”. Formou-se, saiu da Escola. No ano seguinte, um
dos novos alunos, também baixinho, não escapou: ficou sendo “Paquito”, mesmo
sem nem sequer conhecer o “xará”.
Também acontecia o caso de um irmão (ou outro colega)
receber o apelido no diminutivo: havia o “Bambu” e seu irmão era o
“Bambuzinho”, “Ximbicão” e “Ximbiquinha”, “Surtico” e “Surtão”, “Galã” e
“Galãzinho”, havia o “Cabide” e o “Cabidinho” (estes não eram irmãos).
Muitos apelidos eram nomes de animais: “Boi”, “Ganso”,
“Lagarto”, “Tatu”, “Grilo”, “Cão”, “Tucano”, “Formiga”, “Lagartixa”, “Rato”,
“Sapo” (que passou por um episódio edificante o qual vou contar adiante),
“Ratinho”, “Gambá”, “Gato”, “Zé Macaca”, “Mula”, “Rato Magro”, “Leãozinho”,
“Burro Preto”, “Quati”, “Manjuba”, “Mutuca”, “Frango”, “Cachorro Louco”,
“Marreco”, etc. Este último viera de outra escola agrícola, onde tinha o
apelido “Capão” e até as meninas da cidade assim o chamavam, segundo ele mesmo
contou. Quando mudou para nossa Escola, não queria que o antigo apelido
vingasse também no novo ambiente. Armou um plano: iria brigar com o primeiro
que tentasse dar-lhe um apelido bonito ou, ao menos, não pejorativo... Seu
plano deu certo: quando o “Chocolate” o chamou de “Marreco”, ele armou um
bate-boca, o novo apelido pegou e ele livrou-se da velha alcunha que não o
agradava.
Alguns apelidos eram um tanto genéricos: “Mineiro”, por
exemplo, atribuído a quase todos oriundos do Estado vizinho. Mas, havia o
“Mineirão” e o “Mineirinho”. De um modo geral eram chamados de “Bodes” todos os
que tinham sangue japonês (e havia muitos na Escola naquele tempo). Os
“Biscoitos” eram os holandeses. Havia, é claro, o “Baiano”, o “Barriga Verde”,
o “Baianinho”. Outros eram conhecidos pelo nome do lugar de onde vieram:
“Borda”, por vir de Borda da Mata, “Campestrinho” por ser de Campestre, ambas
cidades de Minas, também “Santista”, “Santistão”, “Paulista”, “Tietê”,
“Itapira”, “Cataguá”, etc. Houve também
um “Tcheco” e um “Alemão” ambos verdadeiramente oriundos daqueles países.
De uma maneira geral, todos aceitavam seus apelidos,
mesmo depois de formados, mas, segundo me contam, o “Formigão” não admite que
algum antigo colega o chame assim... O azar é dele: ninguém vai esquecer seu
nome de guerra.
Lembro de colegas que tinham dois apelidos e atendiam
pelos dois: um era “Ponce” e “João Vermeio”, outro “Gudum” e “Carioca”, outro
“Itapetininga” e “Nicão”, outro “Levindo” e “Pacheco”, outro ainda “Duque” e
“Brodósqui”.
Certamente não vou lembrar todos, mas ainda me ocorrem:
“Vô”, “Butinão”, “Gordo” (e nem era tão gordo), “Teco”, “Bola Quatro”, “Bola
Sete”, “Pernalonga”, “Véio”, “Juru Poca”, “Sorveteiro” (sua namorada era filha
do dono da sorveteria), “Fu Manchu”, “Feijão” (fez um discurso sobre o valor do
feijão...), “Dudu”, “Barão”, “Chucrute”, “Boiadeiro”, “Pulim”, “Banquiva”,
“Pinga”, “Mixirica”, “Turco”, “Dutrinha”, “Soneca” (não sei se era
dorminhoco...), “Torrada” e “Goioba” (estes dois muito bons na fanfarra da
Escola), “Chinesinho”, “Chocolate” (na primeira vez em que chegou na Escola
veio vestido de marrom...), “Pito”, “Padreco”, “ Cabelo” (êta sanfoneiro!),
“Chimbrinha”, “Ceguinho”, “Português”(haviam dois), “Morto”, “Ponto
Morto”,”Hy-Fy” (ou “Rai-Fai”), “Goianinho” (protagonista de um episódio famoso,
anterior ao meu tempo), “Kim”, “Picão” (era alto e magro), “Xepa”, “Taquara”,
“Currupaco”, “Nhapeva” (em língua indígena peva seria pequeno, coisa que
aprendi muito mais tarde) “Paineirinha”, “Gualicho”. Este último é um “causo”
que merece ser contado: em uma corrida de cavalos famosa, acho que se chamava
“Grande Prêmio Brasil”, ganhou um animal com o nome de Gualicho. Ora, alguém
tinha que pegar este apelido. O cavalo em questão tinha uma bela crina, logo,
um colega que era topetudo, tinha um vistoso cabelo, ficou sendo o próprio...
Acontecia de alguns terem pequena adaptação do próprio
nome: “Miltinho”, “Zé...”(diversos), “Lucinho”, “Robertão”, “Benê”, “Chico”,
“Bifão”, “Lelo”, “Rui Bocudo”, “Mané Expressinho”, “Mané Chofer de Praça”,
“Dito Calça Curta”, “Lelei”, “Ailton Louco”, “Tomitinha”, “Tosinho”, “Mor”
(porque apareceu com as iniciais do nome bordadas na sua camisa), “Faé”, “João Galinha” (gostava do aviário...), etc.
Afinal, um apelido talvez signifique um “status” de
pessoa aceita entre seus colegas, talvez dê um certo ar de familiaridade,
intimidade ou coleguismo.
quinta-feira, 13 de dezembro de 2012
Causo 73 Como era a Escola Agrotécnica de Pinhal
Alfredo Francisco José Soja
A nossa Escola era acolhedora. Quando, hoje, vejo as
árvores do bosque, os campos de lavoura, as salas amplas, tudo sem a balbúrdia
das escolas urbanas, lembro como era a Escola e sei que fomos felizardos por
termos estudado ali. É lamentável como deixaram tantas instalações e
equipamentos se deteriorarem até se acabarem! O que fizeram da seção de
Laticínios? De Marcenaria? De Selaria? De Ferraria? De Máquinas e Motores
(torno mecânico e outras máquinas)? E de tantas outras coisas...
Porém, voltando no tempo, lembro que, como em qualquer
outra escola, primeiramente se fazia a matrícula. Mas, por ser um internato,
este ato era desdobrado em várias outras providências. Os alunos, de várias
idades e procedências, recebiam algum equipamento (caneca, às vezes cobertor) e
instruções de como agir (embora acabássemos aprendendo muito mais sobre os
aspectos práticos da vida escolar com os veteranos). Nada como o dia-a-dia para
nos ensinar a viver e a sobreviver. Os responsáveis pelo bom andamento do
internato nos indicavam a cama onde íamos dormir, os dois armários que iríamos
ocupar, etc. Até no refeitório nosso lugar não era aleatório (mais tarde isto
foi liberado). O Professor Rubens Campi, para cada aluno do Curso Técnico,
entregava uma prancheta de desenho com sua respectiva régua “T”! Alguns detalhes: havia horário para entrarmos
no dormitório (só à noite!) e para acessarmos os armários “internos”. Só os
armários “externos” eram liberados. Aliás, havia horário rígido para acordar,
para as refeições, para estarmos de volta da cidade (nos dias em que a saída
era livre), etc. Apesar das restrições e da rigidez de certas normas, logo
todos os “bichos” estavam enturmados, vivendo e sobrevivendo numa boa,
estudando, trabalhando, comendo com grande apetite e dormindo bem. Havia várias
opções de lazer: desde ouvir radinho de pilha, ouvir o alto-falante do bosque
(transmitindo o programa de rádio “Mil discos é o limite”), jogar futebol, ou
praticar outros esportes, e ir à cidade, onde se podia pegar um cinema,
namorar, jogar bilhar (para os que tinham dinheiro para pagar o aluguel – por
hora – da mesa), etc. Acho que naquele tempo ainda não haviam inventado certos
males atuais: não me lembro de ninguém que tivesse depressão ou fosse
seriamente desajustado. Não se falava em problemas de drogas. Embora não
fôssemos anjos, nossos deslizes de conduta sempre foram mínimos em comparação
com os que os professores nos confessavam presenciar em outras escolas já
naquele tempo.
Como disse o Zanini: “havia um certo nivelamento.
Quem era muito tímido, aprendia a ser um pouco mais “saído”. Quem era muito
valente, acabava encontrando outro que lhe tirasse a valentia. Quem não era de
briga, ao menos aprendia a se defender, a ter um pouco de esperteza. Quando
alguém lavasse roupa e a punha para secar, dizia-se que era preciso ficar de
olho aberto: se piscasse, poderia sumir um par de meias...”
Apesar de todos desenvolverem a autodefesa com
vivacidade, também se praticava a solidariedade, até nas pequenas coisas.
Quando alguém tinha uma laranja, descascava-a e já dava a “tampa” para o
primeiro que pedisse. Se alguém ia fumar, então, logo aparecia o primeiro: “Deixa
‘eu’ acender!” Aceso o cigarro, o dono do dito
cujo começava a fumar, vinha o segundo: “Deixa ‘eu’ dar uma tragada!”. Passada a metade do cigarro, continuava a “fila” dos
“filantes”: “Me dá a tica!” A ponta que
ia sobrar passava para o outro e não devia ser muito pequena, pois ainda
aparecia, às vezes, mais um: “Me dá a bis-tica!”
domingo, 9 de dezembro de 2012
Causo 72 Histórias do Futebol Araxaense.
Alcino de Freitas
Contadas por Agnelo Guimarães Borges, membro
da Academia Araxaense de Letras.
CHUTEIRAS REPETIDAS.
Nos meus tempos de juventude, e apaixonado pelo futebol,
atuei por algumas equipes amadoras de Araxá, entre elas o CIT Futebol Clube. Além
dos inúmeros amigos que a convivência sadia me legou, tive a oportunidade de
observar e anotar no meu íntimo, passagens interessantes e histórias advindas
de ações e atitudes dos companheiros do futebol. Uma das pessoas que me marcou,
e muito, foi o então presidente, treinador, massagista, roupeiro, e torcedor do
CIT, o estimado José Gonçalves Rosa, o José Adelino para os íntimos.
Apaixonado pelo futebol e pelo seu time, com sua
simplicidade em acurada sintonia com a vontade de que sua equipe sempre
estivesse em evidencia, tinha cuidados extremos e muita dedicação aos seus
jogadores. Entre tantos fatos que presenciei, ou ouvi contarem, destaco três
que me chamaram a atenção, e que passo a narrar, sempre aumentando um ponto para
tornar o conto mais alegre!
Num domingo, logo após o almoço, a delegação do CIT foi
transportada para Ibiá pela “jardineira” do senhor Juca Guilhermino, que
durante a semana fazia a ligação Araxá-Tapira. Na partida preliminar, debaixo
de um sol de fritar ovo na careca dos menos providos, os “cascudos” do CIT já
estavam a apanhar do Ferroviário por um placar tranqüilo a favor dos ibiaenses.
Um jovem atleta, integrante de uma conhecida família araxaense, disposto a
jogar naquele dia, azucrinava o ouvido do técnico Zé Adelino. Uniformizado, com
as chuteiras luzindo a graxa que o diretor a elas destinara, com as mãos na
cintura, pedia porque pedia para entrar. Queria, segundo ele, ser o herói da
tarde, mudando o resultado da partida. Cansado, e já nos estertores do jogo, o
velho dirigente determinou a entrada do jovem rapaz. Tão logo ele entrou, o
juiz apitou, sinalizando um escanteio. Ele correu para fazer a cobrança.
Autorizado, ao fazê-la foi infeliz, e a bola derrapou na “graxa da chuteira”,
saindo logo após pela linha de fundo. O treinador, então, desabou sua
insatisfação sobre o jogador, cobrando dele uma melhor atuação. Mesmo
desenxabido, e de cabeça baixa se justificou aos gritos, para alegria dos
demais colegas de equipe: “- A culpa é do senhor. Olhe aqui. O senhor me
deu duas chuteiras de um só pé, o esquerdo, e eu sou melhor com o pé direito.”
SEM SALAME.
Naquele jogo, na cidade de Ibiá, onde o CIT foi derrotado
pelo Ferroviário, no jogo principal e na preliminar, o Zé Adelino não engolira
a atuação de alguns jogadores. Entre outros, o jovem de chuteiras trocadas
estava ainda na cabeça. Primeiro, porque não jogara absolutamente nada. Segundo,
porque ainda o acusara de ser culpado pela sua má atuação, por ter-lhe
fornecido material incompleto.
Tão logo terminou o jogo principal, mal deu tempo aos
jogadores do time principal para um banho restaurador das energias despendidas,
e já convocou todos para a viagem de volta. A jardineira da Tapira, conduzida
pelo senhor Juca Guilhermino, que se fazia acompanhar dos seus familiares, que
aproveitaram a viagem para visitar uns parentes, que moravam em Ibiá, largou de
volta para Araxá, para vencer a poeira que, naquela época, emoldurava os
contornos dos caminhos que ligavam aquelas cidades, sujando roupas e rostos, e
maculando o verde da paisagem que ousava mostrar-se aos olhos dos que ainda
insistiam em limpar os vidros da condução.
Era costume do presidente levar um agrado para os
jogadores. Como não o distribuíra nem durante, nem após a partida, ele resolveu
fazê-lo a meio caminho do retorno. Levantando-se, puxou um saco que estava
colocado sobre o banco ao lado do seu, e, dele ia retirando e distribuindo, a
casa um, um pão com salame que cuidadosamente preparara na manhã daquele dia. A
distribuição estava sendo feita sem parcimônia alguma. Todos eram contemplados
na sua própria poltrona. Até que chegou a vez do jovem atleta, que estava
postado numa das ultimas acomodações daquela jardineira. Assim que deu fé do
próximo a ser agraciado, o Zé Adelino parou, pensou, resolveu e agiu. Retirou o
salame de dentro do pão, e entregou-o ao jovem atacante, e num tom ríspido, lhe
asseverou: “- Você não jogou nada! Não merece o salame. E olhe nem mesmo
o pão você merece. Mas, seja lá Deus quer...”
COM DEZ OU COM DOZE.
Estádio Municipal Fausto Alvim, o majestoso da Avenida
Imbiara. Foi construído por Fausto Alvim, quando prefeito, e tem sido palco de
inúmeros acontecimentos esportivos. De outros também. Muitos craques deixaram
marcas indeléveis na memória dos torcedores araxaenses. Muitas equipes ali
escreveram páginas importantes nos registros de suas histórias. E, entre outros
momentos, sustentou treinamentos da Seleção Brasileira, de grandes clubes
futebol brasileiro e serviu às nossas equipes amadoras nas suas preparações
semanais e jogos domingueiros.
Numa tarde de quarta-feira, com muita chuva e lama, como
nas semanas anteriores, o plantel do CIT se preparava para mais uma participação
no campeonato promovido pela LAD, então presidida pelo Fio, o Senezomar de
Aquino. Acompanhando o treinamento
dentro de campo, o Zé Adelino. Apito na boca, chapéu na cabeça, roupa
encharcada, o treinador-presidente conduzia o treino da melhor forma possível.
Apitava pouco e falava menos. Mas, às vezes, tentava impor algumas fórmulas
para a equipe jogar. Os atletas se esforçavam para cumprir as ordens do
indigitado diretor, algumas delas impossíveis de serem realizadas, pois a
qualidade técnicas de alguns atletas deixava a desejar e a condição física
faltava a muitos, obrigados ao trabalho que, àquela altura de fim de tarde, já
exaurira muito do seu desempenho. Mesmo assim, o entusiasmo e a vontade de
jogar bola estavam a superar, ou pelo menos equilibrar, o desejado com o
possível de ser feito. Depois de cerca de 30 minutos de muita correria e não
menos aguaceiro, eis que o treinador resolve, numa surpresa atitude, tirar um
dos jogadores do time tido como principal, passando este a jogar com apenas 10
jogadores. Vendo as coisas mais difíceis, alguns começaram a reclamar da
atitude tomada pelo Zé Adelino. Este com tranquilidade e ciente do que fizera,
matreiramente explicava: “- Estamos treinando uma situação de jogo. Vai
que o juiz expulsa um, e temos de jogar com apenas 10 jogadores. É sempre bom
estar preparado para qualquer situação. Vamos treinar desse jeito.” O mais agitado dos jogadores acidamente replicou,
indagando do técnico, com expressiva dose de razão: “- É pode ser. A ideia
seria boa, se o senhor não o colocasse no outro time, que agora está jogando
com 12. Isto não vai acontecer no jogo. Ou vai?”
O técnico havia colocado o jogador no outro time, para ele não ficar sem
treinar. Coisas do dedicado Zé Adelino...
quinta-feira, 29 de novembro de 2012
Causo 71 O triste e engraçado “causo da orelha verde”
Dizem que quem tem amigos
não morre pagão! Como não tenho tido tempo de escrever, por causo dos netos,
apelei para meu irmão, que é repórter e colunista esportivo e conhece muito do
futebol mineiro. Mas aí já apareceram amigos com causos curiosos para me
salvar.
Estou postando hoje o causo de uma amiga de Baurú.
O triste e engraçado “causo da orelha verde”
Regina Célia Mastine
Eu trabalhava no Hospital de Anomalia Crânio Facial
da USP, conhecido como o “Centrinho de Bauru”. Num certo dia foi admitida uma
criança portadora de uma síndrome “Teachers Collins”, para ser submetida a implante
de orelha. Como eu era a enfermeira no setor de internação fui fazer a anamnese
da criança, em entrevista com a mãe descobri que éramos conterrâneas.
Fiquei surpreendida com o caso, e como
minha querida terra Itajubá fica tão longe de Bauru, sentimos uma afinidade
tamanha, até mais atenciosa fui e a criança
só queria essa Tia Regina ao seu lado, nos momentos da troca de
curativos da cirurgia realizada pelo
exímio Dr. Antonio, o qual sempre me chamava para acompanhá-lo nos
procedimentos.
Na cirurgia foram implantados três pinos
de titânio no pavilhão auricular da criança, para posteriormente adaptar a
orelha moldada em silicone na cor da pele da criança. A semana toda ela ficou
internada até a total cicatrização dos pinos e todos os dias eu estava ajudando
o excelente médico no curativo do local da cirurgia de minha conterrânea.
Chegou o dia afinal! Vai ser
adaptada a orelha, e as minhas conterrâneas, mãe e filha, estavam radiantes. Surpreendida
fiquei quando a criança disse: “Que bom Tia Regina eu vou poder usar arquinho
igual a você”. Senti um impacto de imediato ao pensar que sempre ao colocar meu
arquinho (tiara) na cabeça nunca agradeci às
minhas orelhas e sem elas ele não
consegue ficar lá atrás e prender os
cabelos. Retirei minha tiara, entreguei para a menina e falei: “então fica com o meu arquinho.”
Passaram-se dois anos e eu consegui
transferência de setor, para não ter que trabalhar aos finais de semana. Fui
para o CPA (Centro de Pesquisa Audiológicas) trabalhando no pré e
pós-operatório das pacientes que eram submetidas ao implante coclear. Um lugar
abençoado e um privilégio de Deus em
pertencer a equipe de Implante coclear. Então, a minha conterrânea, mãe da
criança que não tinha orelhinha, foi no CPA procurar-me. Ao encontrá-la abraçamos
e ela falou que teve que retornar porque a orelha de sua filha ficou verde. Fiquei
curiosa e perguntei como e por quê? Ela falou que foi passar água oxigenada
para clarear os cabelos da filha e esqueceu de retirar a orelha...
Eu respirei profundamente para segurar o
riso, não acreditava o que estava ouvindo...Felizmente
só a moldagem de nova orelha que foi necessário fazer e adaptou-as novamente na
cor bronzeada de sua pele.
Deu muita vontade de rir,
estava muito diferente do real, surpreendeu demais!
Primeira e única vez que vi orelha
verde!!! Isso aconteceu com mineiras uai...
sexta-feira, 23 de novembro de 2012
Causo 70 "Bicho" para perder o jogo?
O dia em que o árbitro ganhou
“bicho” para “perder” uma partida.
Alcino de Freitas
Fato verídico acontecido na cidade de Patrocínio, durante
uma partida entre o Araxá Esporte Clube e a equipe da Patrocinense,
oportunidade em que o alvinegro araxaense tinha a obrigação de se apresentar
naquela cidade como pagamento do passe do zagueiro Ganso. O time do Araxá
Esporte estava bem preparado, bem treinado, vencendo as demais equipes aqui da
região.
Como sempre o problema era dinheiro para pagar a
manutenção do plantel e contratar bons jogadores. José Pires sempre preocupado
com o problema financeiro, com as dividas com a Pensão Tormim do Jairo do
Espírito Santo Brito, tinha mais este gasto indesejável de viajar até a vizinha
cidade de Patrocínio e arcar com mais esta despesa, além do pagamento do
“bicho” aos jogadores, em caso de vitória.
Já no primeiro tempo o Araxá Esporte vencia a
Patrocinense por 1 a 0, com relativa facilidade. Matreiro, inteligente, José
Pires pensou e concluiu o seguinte: é mais fácil pagar o “bicho” pra um, do que
para o time inteiro.
No intervalo do primeiro para o segundo tempo, chamou o
árbitro num canto e lhe propôs o seguinte:- “se você inverter esta
vitória em derrota, eu lhe pago um ‘bicho’”.
Missão fácil para o árbitro que passou a marcar tudo em campo, escanteios,
faltas e até penalidade máxima contra o Araxá Esporte Clube, fazendo com que, o
Clube Atlético Patrocinense saísse vencedor. Anos depois, fiquei sabendo que,
após a partida, ainda dentro do vestiário, alguns profissionais que
participaram do jogo, desconfiaram da referida tramóia e além de cobrar,
acabaram por receber os seus direitos.
terça-feira, 20 de novembro de 2012
Causo 69 O bode de Araguari
Meu irmão mais velho é
cronista esportivo em Araxá. Pedi ajuda a ele, para não diminuir as postagens
no blog, uma vez que ando muito ocupado. Aí vai a primeira:
O bode de Araguari
Alcino de Freitas
Na década de 60, quando o Araxá Esporte Clube disputava o
campeonato mineiro da segunda divisão, os diretores do clube só pensavam em
subir para a primeira divisão. E para galgar esta posição, valia tudo,
promessas, trabalhos de umbanda, feitiçarias, etc... etc...etc.
Certa feita, o Araxá Esporte tinha um jogo contra a
equipe da Ituiutabana, em Ituiutaba. Essa vitória representava o trabalho de um
ano, pois a derrota eliminaria o clube araxaense do campeonato.
Os diretores da época, encabeçado pelo senhor José
Esteves Pires, ficaram sabendo que, em Araguari, tinha um senhor que “amarrava
um bode” e não deixava o time perder. Pensaram eles, o negócio é ir até
Araguari e mandar o homem amarrar o bode para vencermos o jogo.
Naquela época, todos os jogadores do Araxá Esporte
ficavam hospedados na Pensão Tormim do Jairo do Espírito Santo Brito, alias
outro eminente prócer da diretoria. José Pires e outros diretores foram, de
carro no sábado, para Araguari e encarregaram o Jairo de chefiar a delegação no
domingo bem cedo, de ônibus para Ituiutaba. Como eu era, na época, o único
representante da imprensa esportiva, que acompanhava o time, também embarquei.
Chegando a Ituiutaba, já perto da hora do almoço, nos
juntamos ao senhor José Pires e outros diretores, notei que todos tinham um
semblante carrancudo, caras fechadas, cochichando daqui, cochichando dali, o
ambiente estava pouco pesado, o que não era natural nessas ocasiões. Como
repórter e curioso fiquei apreensivo em saber o que se passava, apesar de um
silêncio absoluto.
Na hora do almoço, sentei-me à mesma mesa com um dos
diretores já falecido e indaguei sobre o que estava acontecendo. Ele me pediu
sigilo, mas, contou-me: “Ontem fomos até Araguari para mandar amarrar um
bode. Lá chegando fomos até a residência do senhor que faz o serviço, só que
fomos informados pelo mesmo que, os diretores da Ituiutabana, já haviam passado
por lá e feito tal recomendação. Assim sendo, ele não poderia desfazer o
serviço e a vitória estava garantida a equipe de Ituiutaba”.
Agora, já sabendo do segredo e da derrota por
antecipação, dirigimos para o estádio pessimistas. Um jogo difícil, truncado,
primeiro tempo terminou sem abertura de contagem e no segundo tempo, Germano,
atacante, irmão do Ganso, recebeu uma bola pelo lado direito, foi fazer o
cruzamento para dentro da área, a bola ganhou um “efeito” e entrou no ângulo do
goleiro adversário. Final: Araxá Esporte 1 x 0 Ituiutabana. Voltamos todos
vibrando com a vitória!
terça-feira, 13 de novembro de 2012
Causo 68 ...Toma Seis Ladrão!
Calma! É jogo de truco...
Nicanor de Freitas Filho
Como foi amplamente divulgado, o Ministro Joaquim Barbosa
é mineiro de Paracatu, que fica na Serra da Mata. Lugar onde se joga muito
Truco. O truco, como sabemos, é um jogo que exige coragem e frieza para se
jogar. É um excelente treinamento para se enfrentar situações fora da zona de
conforto, como é o termo usado atualmente. Todo jogador de truco adquire alguns
“truques” para enfrentar os adversários.
É muito comum no jogo do truco, acontecer que uma dupla
passe partidas seguidas sem receber boas cartas e vai dando um “desespero”.
Perde tudo! Às vezes para tentar quebrar a rotina, desconfia que os adversários
não tenham “manilha” (maiores cartas) e trucam. Exatamente nessa mão (cada
rodada do jogo) os adversários têm o zape (ou zápete, que é a maior carta do
jogo)! É sempre assim! Então, quando isto acontece exatamente com “aquele”
adversário, de quem não se pode perder de forma alguma, dá desespero! E tem
muito jogador, que não tem controle e nesta hora “vira a mesa”, ou seja,
levanta e diz: “ – Não jogo mais...”
Abandona a mesa e vai esfriar a cabeça, tomando uma cachacinha ou uma
cervejinha... Tem vezes que essas reações são tão violentas e absurdas, que
ficamos sem saber se são engraçadas ou ridículas, de tal forma que algumas vezes,
quem assiste, jogadores ou sapos (quem não está jogando e dá palpite no jogo)
não esquecem nunca. Sempre que se juntam, perguntam: “ – Lembram aquele
dia que o fulano chutou o pau da barraca, virou a mesa e foi embora? Como foi
ridículo, não? Caramba! A gente pensava que ele era controlado...”
Pois é! Assistindo ontem ao julgamento do Mensalão, a cena que ocorreu foi de jogo de truco! Sem dúvida... O Ministro Joaquim Barbosa,
bom jogador, aprendeu a jogar em Paracatu, terra de truqueiros, deu as cartas, o Ministro Lewandowski,
que já vinha perdendo todas as mãos, tinha saído com o 7 de ouros, no pé
(último que joga), era agora ou nunca! Trucou, mas o Ministro Joaquim Barbosa, como
sempre acontece nestas horas, estava com o zape, botou seis e o Ministro Lewandowski,
p. da vida, não teve dúvidas, levantou e disse: “ – Chega! Não jogo mais!” E foi esfriar a cabeça lá fora... (Não foi noticiado
se bebeu uma cervejinha ou uma cachacinha). O Estadão só publicou que ele ficou
dando volta no prédio do STF e falou várias vezes ao telefone. Deve ter ligado
para o “Mestre” dizendo: “ – Porra meu (ele tem sotaque paulista) fiz tudo
conforme vocês me disseram, mas o cara só tem zape. Assim não dá! Estou avisando
que não adianta. Não tem mais como ganhar
este jogo. Mudaram de postura! Alguma nova ordem?”
Pelo jeito, não deve ter obtido resposta...
domingo, 28 de outubro de 2012
Causo 67 Roubo do relógio
Nicanor de Freitas Filho
Minha cunhada trabalhava na USP, como Desenhista. Aliás,
ela é uma artista nata. Faz cada coisa linda! Ela tinha uma colega, que
trabalhava junto com ela, e eram muito amigas. Muitas vezes, para terminar um
serviço, ficavam até mais tarde, fazendo umas horas extras. Essa amiga morava
no Tucuruvi. Não era tão difícil para ela, porque tinha uma linha de ônibus
elétricos, que fazia exatamente USP x Tucuruvi. Então ela pegava este ônibus,
ia direto e parava bem perto de sua casa. Como sempre acontece, quando ela
entrava no ônibus, geralmente já conhecia alguma das pessoas que lá estavam,
incluindo motoristas e cobradores.
Um dia trabalharam até mais tarde um pouco e por volta
das 20 horas saíram juntas e cada uma tomou o seu ônibus. Ela entrou,
reconheceu dois ou três passageiros, passou pela roleta e assentou já perto da
porta de saída, num banco vazio, ou seja, os dois lugares vagos. Pôs a bolsa no
colo, e foi pensando na vida. O que tinha feito naquele dia, o que a esperava
em casa e o que poderia fazer no dia seguinte.
Totalmente absorta nos pensamentos, só percebeu que se
sentou alguém ao seu lado, porque esbarrou acintosamente nela, inclusive tocando-lhe
no braço. Ela olhou feio para ele e reparou que se tratava de pessoa realmente
mal-educada, não estava bem vestido e pensou consigo mesma: - deve ser um pobre
coitado, mas vou trocar de lugar, porque não gostei da cara dele.
Olhou, olhou não encontrou uma poltrona vazia e nestes
movimentos de olhar para frente e para trás, percebeu que seu relógio de pulso
havia “sumido”. E ela gostava muito dele, até por ter sido presente do
namorado. Então ela começou a ter um drama! Como reagir? O ônibus cheio, ela
pensou, vou gritar que ele roubou meu relógio, e o pessoal vai me ajudar! Mas é
um vexame! Pensou melhor e resolveu, deixa pra lá, não sou a primeira vítima de
roubo. Mas pensou, tenho que sair daqui nem que tenha que fazer o resto da
viagem em pé! Aí “doeu” de novo, o relógio dado pelo namorado... Que dúvida
cruel! Não sabia o que fazer e aquilo foi atormentando sua cabeça, até que ela
tomou uma decisão: o ônibus está cheio, vou reagir e se ele tentar me intimidar
mais sei que os demais passageiros vão me ajudar.
Resolvida, ela pegou dentro da bolsa, aquele pente com
cabo, passou-o por baixo do seu próprio braço, que segurava a bolsa, que ela
deixou aberta. Cutucou com o cabo fino do pente nas costelas do larápio, olhou
firme nos olhos dele e disse com voz enérgica e direta:
“ – Bota o relógio dentro da minha bolsa!” E não tirou os olhos dele. Olhava-o com raiva e
muita segurança! No que ele obedeceu e, provavelmente, para não ser linchado,
pensou ela, desceu do ônibus que estava parado no ponto. O motorista fechou a
porta e seguiu a viagem. Ela se sentiu aliviada, pois não só recuperara o
relógio, como o ladrão se intimidou com a reação forte dela e foi embora. Ufa!!
Chegando em casa ela contou para a Mãe o que havia
ocorrido e mostrou triunfante o relógio... que ela havia “roubado”. Sim! O
relógio não era o dela, era um relógio masculino! Ela não sabia o que fazer.
Será que o cara tinha trocado os relógios? Ou será que ele já tinha roubado
mais de um e se confundiu na hora da devolução?
Ela entendeu melhor o que houve, no dia seguinte, ao
chegar no escritório e encontrar o seu relógio dentro da gaveta da mesa de
trabalho!!!
Verdadeiramente, ela havia assaltado o pobre rapaz!!
domingo, 14 de outubro de 2012
Causo 66 Cadê meu telemóvel?
Nicanor de Freitas Filho
Minha esposa tem uma única tia, ainda viva, em Portugal –
irmã do Pai dela - que fazemos questão absoluta de ir visitá-la, quando vamos
para lá, na Freguesia chamada Safurdão, Concelho de Pinhel, na Beira Alta.
Ela já está com idade avançada – talvez beirando os
noventa – e por isso, ela e o marido passam o dia todo numa casa de idosos e à
noite vão para a casa de um dos três filhos. Uma Van vai buscá-los cedinho,
para os filhos irem ao trabalho e no começo da noite a Van vai levá-los em
casa. Eles tomam o “pequeno almoço”, o almoço e jantar lá na casa de repouso.
Ela usa um andador, mas consegue se mover sozinha, embora com dificuldade! Ele,
infelizmente, sofreu um AVC no início do ano e ainda estava hospitalizado e
desta vez não o vimos. Todas as vezes que fomos visitá-la, ela sempre faz muita
festa para minha esposa e pergunta pelos parentes que moram aqui no Brasil.
Por coincidência, eles têm uma sobrinha – casada com o
sobrinho deles – que trabalha lá na casa de idosos. É uma das cozinheiras. Isto
ajuda muito, porque eles acabam ganhando um pouco mais de carinho. Ela mora bem
perto da aldeia, trabalha como cozinheira, mas também ajuda o marido que cria
algumas vacas e cultiva algumas frutas e verduras. Moram numa casa grande e boa
e tem um bom pedaço de terra para os animais.
Desta última vez, quando chegamos lá na casa para visitar
a Tia, a nossa prima Cozinheira, estava de folga naquele dia. Então uma das
colegas dela, disse que ia avisá-la, para ela ir nos ver, enquanto estávamos lá
com a Tia. Tocou... tocou... o telemóvel não atendeu! Telemóvel lá em Portugal
é o que chamamos de celular aqui no Brasil. Como ela tinha o número do
telemóvel do marido, resolveu ligar para ele. Quem atendeu foi a Cozinheira.
Ela então disse que queria mesmo falar era com ela, pois estávamos lá visitando
a Tia. E perguntou porque não atendeu o telemóvel. Ela então explicou que, como
estava de folga, foi ajudar o marido nos serviços com os animais e que uma vaca
tinha fugido do cercado. Ela então correu atrás da vaca, com o telemóvel no
bolso, no meio do pasto, que nesta época do ano – final da primavera – está
alto e espesso. Não é que o telemóvel caiu no meio do pasto? Então ela tinha
ido pegar o telemóvel do marido, para ligar no telemóvel dela e descobrir onde
ele havia caído, quando tocasse. E emendou, não deve estar por aqui, pois se
você me ligou e eu não ouvi deve estar mais adiante... Desculpe-me, vou
procurá-lo!
quinta-feira, 11 de outubro de 2012
Crônica 3 Luso-nipo-brasilidade JCN
Novamente vou postar uma
crônica do meu amigo Transmontano, pois como gosto muito de lê-las, acredito
que vocês também gostem.
Essa já foi publicada em 2008, pela Revista Mundo OK, da
comunidade nikkey, mas é uma aula de história.
Vale à pena ler:
Ao folhear uma edição desta revista –
Mundo OK - talvez a de junho de 2008, meu amigo Trasmontano – é assim que ele
gosta de ser chamado, por haver nascido em Trás-os-Montes, Portugal –
deparou-se com o título acima, e com o diagrama ao lado, num anúncio institucional de uma mercearia de
produtos orientais, com um nome que também lhe havia chamado à atenção: LISTOKYO.
O anúncio era uma homenagem aos 100 anos da imigração japonesa no Brasil, e a
mercearia, pelo logotipo e nome, evidenciava uma associação luso-nipônica.
Meu amigo já havia lido muito sobre o
importante papel da imigração japonesa no Brasil, bem como sobre a
extraordinária generosidade deste país em acolher imigrantes de todos os cantos
do mundo. Ele próprio é um beneficiário
dessa magnanimidade e, por coincidência, casado com uma nissei,
confirmando, assim, a vocação lusa para
a miscigenação global. E o relacionamento com os japoneses, ao contrário do que
muitos possam pensar, vem desde há mais de 5 séculos. Afinal, todos sabem que
os portugueses foram os primeiros imigrantes colonizadores a aportarem por
aqui, em 1500, mas poucos sabem que também eles foram os primeiros europeus a
entrar no Japão, alguns anos depois, em 1543, aportando em Tanegashima, no
período Edo. Ao contrário dos objetivos no Brasil – tomar posse e colonizar
este país – os lusos apenas buscavam o contato e as trocas comerciais, bem
como a propagação da religião católica,
através dos missionários jesuítas, cujo nome mais conhecido é o do Padre
Francisco Xavier. A estada dos portugueses em terras nipônicas foi curta, mas
intensa, até 1639 - menos de 100 anos – quando o Japão voltou a fechar os
portos para todos os estrangeiros. Mas, durante esse quase um século, os
lusitanos introduziram o conhecimento do que era mais moderno na Europa, como
as técnicas de metal na indústria naval, as armas de fogo, vidro, relógio, lã,
farmacêutica, a impressão tipográfica, a pintura a óleo, os novos métodos da
matemática, da geografia, da filosofia e literatura ocidentais, e um dicionário
de japonês-português, o primeiro do idioma nativo com outra língua
estrangeira. Na época, cerca de 4.000 palavras de origem portuguesa passaram a
ser utilizadas no cotidiano dos japoneses. Estima-se que tenham sobrevivido
cerca de 400, incorporadas ao idioma atual. Em 1585, 4 nobres japoneses – Manjo
Ito, Miguel Chijiwa, Martino Hara e Julian Nakaura - foram escolhidos para irem
a Portugal e Roma. Seriam os primeiros japoneses a entrarem na Europa. Com o
fechamento dos portos, Portugal e Japão só voltariam a ter relações formais a
partir do Tratado de Paz, Amizade e Comércio, firmado em 1860
pelos dois países.
A História quis que, em 1908, quase 500 anos
depois, coubesse aos japoneses descobrirem o Brasil, como o novo país do futuro
e da esperança, e aqui reencontrarem os portugueses em busca do mesmo porvir.
Ainda que ambos aqui estivessem na condição de imigrantes, a integração ao modus
vivendi do Brasil, seria bem mais difícil aos japoneses, vivendo quase
segregados por mais de 50 anos, com costumes e idioma quase impenetráveis pelos
ocidentais. Silenciosamente, eles formaram um dos grupos de imigrantes que mais
contribuiram com este país. Além do benefício da língua, os portugueses não
encontraram dificuldades em adaptar-se à
nova terra, já que, de certa
forma, aqui eram seguidos os padrões culturais deixados, em grande medida, por
seus antepassados colonizadores. O perfil de todos os imigrantes - embora de
multiplicidade cultural, social, racial e religiosa – tem algo em comum: quase
todos humildes, de regiões pobres em seus países de origem, e em busca de
oportunidades de um futuro melhor para si e, principalmente, para seus filhos.
Não importa de que país eles tenham vindo,
todos encontraram no Brasil um país acolhedor e receptivo à integração
dos que aqui chegaram, de forma transitória ou definitiva. Mas demorou muito
para que os japoneses aceitassem ou procurassem essa integração, quer fosse pela
sua índole recatada e ainda submissa à cultura de fidelidade política ao
Imperador e ao seu país, quer fosse pelas dificuldades que lhes eram impostas
pelo Estado Novo, durante o período de Getúlio Vargas, face ao papel do Japão
na Segunda Guerra Mundial. Foi só a partir dos anos 1960 – quase duas gerações
depois - que a comunidade japonesa
começou timidamente a integrar-se ao mundo “gaijin”, permitindo que seus
filhos, nisseis, e sanseis, fossem assumindo, gradativamente, relacionamentos e
atividades com todas as raças e
nacionalidades que cabem neste país. O meu amigo Trasmontano, um pouco mais de
40 anos atrás, teve dois nisseis como
seus professores de português, num antigo Curso de Madureza, e seria um dos primeiros felizardos a casar-se com
uma nissei , e a entrar nesse mundo da
família oriental, de onde, uma vez dentro, não mais se quer sair.
Já estamos na geração yonsei e go-sei
(quarta e quinta gerações), e a presença japonesa no Brasil deixou
de ser silenciosa e discreta para tornar-se
– como os demais imigrantes e seus descendentes – parte do cotidiano, explícita
e indispensável em qualquer atividade do país: no campo social, na política, na
indústria, na agricultura, no comércio, no magistério, na culinária, em
serviços, e na miscigenação familiar. Hoje fazem parte do grande caldeirão
miscigeno-cultural em que se transformou o Brasil. Eles freqüentam as igrejas
cristãs, os estádios esportivos, as baladas, os teatros, os cinemas, a praia,
as escolas de samba; são amantes do
churrasco, da feijoada, da caipirinha, do vinho, da bacalhoada, do
acarajé, da macarronada, da pizza, do kibe e da paella. Simultaneamente, os
ocidentais – cada vez em maior quantidade – buscam os templos de religiões
orientais, a prática das artes marciais, a serenidade da ioga, os restaurantes
e sushi-bares japoneses – quase tantos
quantas as churrascarias, em São Paulo -
incentivam os relacionamentos afetivo-familiares; incorporam centenas de
palavras japonesas ao linguajar do dia-a-dia. Há até mesmo uma nada desprezível
onda de emigração, às avessas, de
brasileiros para Portugal e para o Japão. E o meu amigo Trasmontano olha para
sua mulher e seu filho, de traços também orientais, e vê fechar-se o último
vértice do triângulo luso-nipo-brasileiro com uma constatação irrefutável: o Brasil
é o maior país português fora de Portugal, e o maior país japonês fora
do Japão.
JCN –
NOV/2008
Publicado
na revista Mundo OK, da comunidade nikkey.
segunda-feira, 8 de outubro de 2012
Música 1 Samba em Prelúdio com Paulinho Nogueira
Paulinho Nogueira executa esta obra prima de Vinicius e Baden. Ouçam:
http://www.youtube.com/watch?v=whISNqcmKnI&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=whISNqcmKnI&feature=related
quinta-feira, 4 de outubro de 2012
Causo 65 Delícia de Salmão...
Nicanor de Freitas Filho
Em 1993, eu trabalhava como Gerente de Exportação de uma
Fábrica de Cadernos Escolares e a filha de um amigo me perguntou se tinha como
admitir uma amiga dela, que acabava de chegar da Inglaterra, onde tinha ficado
um bom tempo estudando, falava mais duas línguas, além do Português. Não tinha vaga no meu Departamento, mas consegui
contratá-la inicialmente como Estagiária e em seguida foi efetivada, como Assistente de Exportação.
É uma das pessoas, com quem trabalhei, das mais
eficientes. Tinha um probleminha: não chegava na hora nem a porrete! Mas em compensação,
em uma hora ela fazia muito mais que muitos outros em 8 horas diárias. O tempo
que ficou comigo me ajudou muito. Tanto que somos amigos até hoje e quando ela vem
ao Brasil, vem em casa nos visitar. E nós também já fomos visitá-la, em Barcelona, onde vive hoje.
O que acontece é que ela tinha ido para Inglaterra para estudar
por 6 meses. Passado o período do intercâmbio, ela continuou por lá, mesmo
estando, digamos, sem condições legais. Então nesse período ela conseguia se
manter com trabalhos informais, como “baby-siter”. E esperta como ela é,
conseguiu “cativar” algumas famílias que se tornaram “clientes cativos”, ou
seja, quando precisavam a chamava.
Segundo
ela contou, tinha um casal, que gostava de sair à noite e tinha um filho de 2
anos que se dava muito bem com ela. Então sempre que saiam, chamavam minha
amiga para ficar com o garotinho. E muitas vezes ela acabava dormindo na casa deles,
porque voltavam tarde, já de madrugada.
Mas a senhora tinha total confiança nela e dizia para ela fazer a ceia, comer
direito e o filho indo dormir ela também poderia dormir. E recomendava, tem
tais e tais coisas na geladeira, pode pegar à vontade e comer.
Numa noite em que foi trabalhar, já foi prevenida que
eles voltariam de madrugada. Ela então deveria fazer sua janta, logo que o
menino dormisse. Quando ela abriu a geladeira, tinha um lindo filé de salmão
ali, piscando para ela. Ela não titubeou, jogou o filé de salmão na frigideira
com um pouco de manteiga e fez aquela "peixada"! Comeu bem, ficou satisfeita e foi
dormir. Na manhã do dia seguinte, quando ela se levantou, aguardou sua senhoria
levantar para acertarem as contas. Feito isto a senhora quis saber se correu
tudo bem, se ela tinha comido bem. Ela disse que sim, que havia jantado um
delicioso filé de salmão que estava na geladeira! Nisto a senhora com a cara de
espanto disse: “- Mas você foi comer justo o salmão do meu gato? É
comida especial para gato!!” He He He He He
sexta-feira, 28 de setembro de 2012
Causo 64 Segunda Lembrança...
Nicanor de Freitas Filho
Como já contei, morávamos na casa da Dinha, minha avó,
que costurava e fazia crochê para ganhar a vida. A Tia Suça trabalhava no
Armazém do Zico Pinto, da Rua Capitão Izidro, a Lourdes ajudava a nos criar.
Meu Pai era barbeiro no salão do José Perfeito, na Rua Boa Vista, antes do
Banco do Brasil, quase em frente ao Bazar Fonseca, que ficava um pouco depois
do Foto Parateca. A gente ia muito pouco no Salão. Acho que só para cortar os
cabelos e quando precisava, por exemplo, comprar sapatos, porque tinha que
experimentar, então íamos ao salão e na hora que folgava, meu Pai cortava nosso
cabelo ou nos levava na loja. Lembro muito bem do salão, que era grande, devia
ter umas 4 ou 5 cadeiras e era muito movimentado.
Nessa época, creio que minha Mãe, além de nos criar,
somente fazia tricô e crochê, não me lembro dela trabalhando fora, nessa ocasião,
que deveria ser por volta de 1947.
A família da minha Mãe é muito grande, tenho muitos
primos e assim, a casa da Dinha todos os dias ficava cheia. Aliás, naquele
tempo, acho que todos os dias ou a gente visitava alguém ou alguém nos
visitava. Não precisava avisar, nem nada. Quando a gente chegava na casa dos
tios, sempre tinha aperitivo e café para os adultos e doces e sucos para as
crianças. Se quisesse almoçar ou jantar também podia. Sem avisar. Chegava e lá
estava a comida que dava para todos.
Explicando melhor sobre a Dinha. Ela era irmã da minha
avó Carmelita, que faleceu quando minha Mãe tinha por volta de 2 anos. Meu avô
Sinico – que não conheci, pois ele morreu em 1943 – ficou com 5 filhas e quem
acabou de criá-las foi a Dinha. Assim, para mim ela era minha avó. Não a via de
outra forma. Nessa época ela já era viúva. Tinha sido casada com Cassiano. Ela
era boazinha demais, principalmente para mim, que era um de seus “netos”
preferidos. Acho que eu e a Magda.
Lembro-me que sempre tinha coisas na casa da Dinha.
Lembro, por exemplo, que ela recebia sempre a Santa Teresinha, que ficava em
casa, num altar sempre muito florido, na sala de visitas, por uma semana e
todas as noites tinha a tal da novena. Mesmo durante o dia, muitas pessoas iam
em casa para rezar para Santa Teresinha.
Meus primos iam lá quase todos os dias. O Tarcísio era
meu Padrinho de batismo, junto a Madrinha Cela. Gostava muito dele, que faleceu
muito cedo, com sérios problemas de circulação. Lembro-me de falarem que ele
tinha “flebite”, mas lembro também, que ele foi para São Paulo fazer uma
cirurgia na cabeça.
Uma noite, ele foi lá em casa e estavam lá outras pessoas,
que não me lembro bem, quem seriam. Eu devia ter três ou quatro anos e sempre
gostava de me empoleirar no colo dele. Nesse dia, estava no colo dele, quando
lhe serviram café. Ele pegou a xícara e ao levar à boca, eu devo ter me mexido
e o café caiu. Ele, por instinto, abriu as pernas, para não se queimar e não
cair café na roupa e eu caí junto com o café. Bati a boca na beirada da cadeira
de madeira, saiu aquela “sangueira”, todos vieram acudir e só me lembro de
ouvir:
“– Quebraram os dois dentes da frente!”
Doía muito e no dia seguinte amanheci com o rosto muito
inchado. Levaram-me ao dentista. Ele examinou e disse:
“– Não quebraram os dentes, eles ‘fincaram’ para cima. Vamos
dar um jeito de puxá-los”.
Não
me lembro o nome do dentista, nem onde era, mas lembro que minha Mãe e a
Madrinha Cela estavam presentes no consultório (Ela era enfermeira chefe do
Posto de Saúde). Daí para frente não me lembro mais nada nem como foi resolvido.
Não me lembro de ter ficado “desdentado”. Então ele deve ter arrumado uma
maneira de puxar os dentes. Mas é a segunda lembrança mais “remota” que tenho. Esta
não muito boa!
Só
para completar, no outro causo, quando descrevi a casa que morava, a porta de
entrada tinha dois degraus. Lembro que uma vez, acho que mandaram arrumar
alguma coisa na casa e os ajudantes de pedreiros fizeram o reboque de cimento, no
chão ao lado do jardim, bem em frente à porta, logo depois dos degraus. Aquilo secou e virou uma “casca áspera” no
chão. Eu vim correndo não sei exatamente de que nem porque e passei direto pela
porta, caindo de boca no chão, bem no lugar onde havia feito o reboque, que já
estava endurecido e tudo enrugado. Ralei todo o rosto, principalmente o lábio
inferior, do lado esquerdo. Até hoje, tenho uma “pelotinha” que ficou e nunca
mais saiu. Mamãe uma vez, brincando falou:
“– Acho que essa pelotinha é uma bolinha de cimento que
ficou aí ...”
quinta-feira, 20 de setembro de 2012
Causo 63 A mais remota lembrança...
Nicanor de Freitas Filho
Rememorando...rememorando... cheguei à mais remota
lembrança da minha vida!
Lembro
que morava numa casa não muito grande, não muito velha, simples. Na entrada
tinha um portãozinho, um muro baixo, e entre o muro e a casa – que ficava mais
à direita – um jardim bem cuidado, onde se destacava um pé de dália, daquelas
grandes, que quando atingiam o auge, pendiam para o lado. A entrada era na lateral esquerda, onde
também tinha um jardim, entre o muro do vizinho da esquerda – Professora
Ernestina – e a casa. Nessa parte do jardim, o que mais chamava a atenção eram
os pés de manacá, que entre a primavera e o verão, esparzia um perfume
inebriante. Lembro-me que quando ia chegando à noitinha, parece que o olor
ficava mais intenso e o cheiro era agradabilíssimo. Sem contar a beleza das
flores, que mudavam de cor, indo do branco ao roxo, não sei como. Bem ao fundo
do jardim, já passando pela porta de entrada, tinha um muro, que à frente tinha
um pé de jasmim, com as flores amarelas, também muito bonitas e cheirosas. Aí
no fundo, à direita, tinha um portão, que chamávamos de entrada do fundo.
Essa entrada dava para um enorme quintal, tendo à esquerda
um jardim – lembro-me perfeitamente da roseira branca – e uma pequena horta,
que ia até junto ao muro. À direita tinha uma enorme amoreira, e a mangueira.
Lembro de umas folhagens que iam até o muro, que separava a casa do “Tio
Donato”. Ele não era meu tio não, mas como os sobrinhos iam para lá e
brincávamos todos juntos, eles o chamavam de Tio Donato e nós também.
Em frente à porta da cozinha, tinha um a “casinha de
despejo” e ao lado o tanque de lavar roupas. Atrás da casinha de despejos
ficava o enorme quintal, que fazia fundos com a casa do senhor Ermírio – homem
muito religioso e bom – que tinha a frente para Rua Uberaba. Para se ter ideia
do tamanho do quintal, lembro-me que tinha, além da horta, da amoreira, da
mangueira, do jardim e da casinha de despejo, duas figueiras, um pessegueiro,
um pé de fruta-do-conde, dois abacateiros, uma laranjeira, um pé de araçá, uma
goiabeira e uma moita de bananeiras, bem lá no fundo. Além disso, minha Tia
criava galinhas, eram poucas, talvez uma dúzia e tinha ainda uma área para
jogarmos futebol, correr e brincar de tudo.
A casa era da minha avó, de fato, Dinha, já que minha avó
verdadeira morrera quando minha Mãe tinha 2 anos. Moravam ainda, Tia Suça e a Lourdes, além da minha
família, que nessa época que estou me referindo, eram minha Mãe, meu Pai, o meu
irmão mais velho e eu.
A primeira lembrança que tenho da minha vida foi no dia
que nasceu minha irmã Maria Conceição. Chama-se assim, porque nasceu no dia 8
de dezembro, dia de Imaculada Conceição. Aliás, era este o nome da Tia Suça,
que também nasceu num dia 8 de dezembro e por isso foi madrinha de batismo dela.
Na verdade eu só me lembro de ter gente “diferente” (Dona Brígida, que era a
melhor Parteira de Araxá) em casa e um movimento anormal. Meu irmão mais velho e
eu querendo saber o que estava acontecendo, quando meu Pai nos chamou para
“ajudar” enterrar o gambá, que ele havia matado. Explicando melhor: a Suça
tinha lá suas galinhas, que botavam lá seus ovos – acho que quase todo mundo
criava galinhas, pois lembro que o tio Donato também tinha, meus outros tios,
verdadeiros, tinham – e ela havia dito que achava que tinha um gambá comendo os
ovos das galinhas, pois estavam sumindo. Então fomos “ajudar” a enterrar o
gambá. Só me lembro disso. Não me lembro de ter visto o gambá morto, nem nada.
Quando chegamos atrás da casinha de despejo, estava lá meu Pai com uma enxada
nas mãos “finalizando” o serviço. Na verdade era apenas desculpa para nos tirar
da sala, ao lado do quarto onde minha Mãe estava em trabalho de parto.
Lembro-me bem disso, porque, muitos anos depois,
conversando em família, eu teria dito que lembrava o dia que minha irmã nasceu.
Todos me olharam, com cara de “como? você era muito pequeno”. Eu sou de 15 de
fevereiro de 1944 e a ela de 8 de dezembro de 1946, ou seja, eu ainda não tinha
3 anos. E naquele tempo a gente era muito mais boba que a molecada de hoje!
Então eu perguntei:
“– Não foi aquele dia que meu Pai matou o gambá?”
Todos se entreolharam e a Suça disse:
“– É, ele lembra mesmo!”
É muito pequena a
lembrança que tenho deste dia, mas é a primeira lembrança que tenho da minha
vida. Não sei contar mais nada desse dia.domingo, 16 de setembro de 2012
Causo 62 Viagem para Muzambinho
Nicanor de Freitas Filho
Ao
relembrar o caso do Ettore comecei a retroagir no tempo para lembrar-me de
outros fatos que eu pudesse contar aqui. Rememorando, lembrei-me da decisão de
minha Mãe de me mandar para a Escola Agrotécnica de Muzambinho. Eu estava sem
estudar havia um ano, trabalhando na Oficina do Padrinho.(http://www.freitasnet.blogspot.com.br/2012/09/causo-59-minha-formacao-profissional-iii.html)
Vivíamos numa dificuldade muito grande, pois meu Pai
estava “ausente” já fazia mais de 5 anos e minha Mãe nos sustentava com o
salário de zeladora do Grupo Escolar Delfim Moreira, em Araxá. Para o meu irmão
mais velho, ela já tinha conseguido lugar numa Escola Profissional em Belo
Horizonte.
No início de 1.956 minha Mãe me chamou e me disse que a
Sra. Aparecida tinha arranjado uma vaga para eu ir para Muzambinho. Onde?
Muzambinho! Eu só conhecia Araxá, Uberaba e Veríssimo. Tinha então 12 anos,
acabados de completar em 15 de fevereiro daquele ano. Eu era uma criança muito
ingênua, que nunca tinha saído da barra da saia da Mãe.
Dona Aparecida, filha do senhor Mesquita – o farmacêutico
– me chamou na casa dela e me entregou duas cartas, uma para na Escola
Agrotécnica e outra dirigida ao W. M. M. e me explicou:
“ – Você terá que ir até Uberaba, ir à Estação de
Trem, no dia 22 de fevereiro, e às 13:00 h, você deverá estar lá e procurar o
Waldir, entregar esta carta para ele, onde eu explico quem é você e peço para
ele ajudá-lo no que for possível. Vocês vão comprar um passe coletivo escolar,
porque deverão estar lá cerca de 10 menores, como você, que irão para a Escola
Agrotécnica, onde ele já estuda e conhece tudo. Conheço-o e tenho muita
confiança nele. Ele explicará tudo para você.
Vocês vão fazer um exame de seleção e você tem que passar, para ficar
lá. Vai com Deus e tenha muito juízo!”
Minha Mãe correu para arranjar, acho que cem cruzeiros,
umas roupinhas para eu viajar, lembro que ganhei um terninho novo de brim cinza,
uma mala, daquelas de fibra marrom, tirei fotografias 3 x 4 lá no Parateca
(veja abaixo), a Tia Suça me deu minha Certidão de Nascimento, e no dia 22 às
6:00 h da manhã, Mamãe foi me levar na Rodoviária, depois de fazer mil
recomendações: “ – Não fale com estranhos! Confie no senhor Waldir!
Procure o Tio Santo! Tome cuidado com tudo, porque esse mundo está cheio de gente
velhaca!”
E várias outras recomendações de toda Mãe zelosa.
Peguei o ônibus para Uberaba. Levava cerca de 4 horas a
viagem, estrada de terra, lembro-me que dentro do ônibus foi que dei conta que
estava sozinho na vida! Que tinha que cuidar de mim, tinha que me virar. Eu
chorei! Não sei por que, mas chorei. Acho que um pouco, já de saudade, um pouco
de tristeza de deixar para trás a minha vida, parentes, amigos, principalmente
a Mamãe, um pouco de medo, um pouco de enfrentar o desconhecido. Durante 4
horas eu fiquei ali no assento do ônibus, com um senhor ao meu lado, que não
sabia quem era, que não conversou, que nunca soubemos quem era um quem era o
outro. Não sabia muito bem o que fazer e muito menos o que iria acontecer,
daqui para diante. Fiquei absorto nos meus pensamentos vagos, sem entender
muito bem o que, de fato, acontecia.
Mamãe tinha me dado o endereço do Tio Santo, em Uberaba,
Rua Vital Brasil, 28 e dito para procurá-lo e pedir para ele me levar à Estação
do trem. Sempre recomendava para procurar pessoas sérias para ajudar, para se
informar, etc.. Por volta das 10 horas chegamos à Rodoviária de Uberaba. Desci,
peguei a malinha marrom, não muito pesada, não muito leve e fui direto num
homem de uniforme, que me pareceu um policial. Perguntei como devia fazer para
chegar à Rua Vital Brasil, perto do Largo Santa Teresinha. Ele perguntou se eu
estava sozinho e se a mala era pesada. Eu disse que estava sozinho e que
conseguia carregar a mala bem. Você vai ter que subir o Morro da Onça. É muito
íngreme e um pouco longe. Explicou-me até que com detalhes e lá fui eu, debaixo
de um sol de fevereiro, em Uberaba, dez e meia da manhã, quem conhece, sabe do
que estou falando! Parei mais uma vez no centro da cidade e perguntei se estava
no caminho certo; estava, e, quando cheguei ao pé do Morro da Onça eu já me
lembrei, pois em 1950 tínhamos morado lá e não havia mudado muita coisa. Subi
aquele “morrão” devagar, mas cheguei lá na casa do Tio Santo logo depois das 11
horas.
Sem ser avisada que eu iria, a tia Aurora, mulher do Tio
Santo, como que assustou com a minha chegada, custou um pouco para se lembrar
de mim, mas me fez entrar, me deu água, frutas e disse que teria que esperar o
Tio Santo vir para o almoço. E foi tratar do almoço e fiquei sozinho na sala,
pensando na vida. Ele não demorou muito.
Durante o almoço o Tio Santo me fez um monte de
perguntas, que eu não soube responder nem a metade, pois eu dependia de
encontrar o Waldir para ter aquelas informações. Quis saber ainda, quanto eu
tinha de dinheiro, quanto tempo ficaria lá, se ia ficar na escola mesmo ou se
teria que ficar em alguma pensão e todas essas coisas. Terminado o almoço, disse
que tínhamos que ir para chegar lá em tempo, pois era um pouco longe e naquela
época ninguém tinha condução; andava-se a pé! Pegou minha malinha e fomos,
debaixo do sol muito quente e nas ruas de terra, até à estação era realmente
longe. Fomos conversando não me lembro sobre o que, mas chegamos antes de uma
hora da tarde, conforme eram as instruções da Dona Aparecida. Tio Santo pegou a
carta, foi até à bilheteria, conversou um pouco com o funcionário uniformizado
e de boné e disse que era para irmos à sala, do chefe da estação, para
preencher um papel, para participar do passe coletivo escolar e encontrar com o
Waldir que era o responsável por todos nós. Ele tinha então, uns 17 anos, mas tinha
autorização do Pai e do Juiz para viajar conosco. Nosso passe era de segunda classe, que já era
metade do preço, mas viajava-se em bancos de madeira. Tínhamos desconto por
sermos estudantes e tinha mais descontos por sermos em mais de 10 passageiros.
O trem saía, na verdade, às 15:00 h e o Tio Santo ficou lá comigo até a hora do
embarque, conversou com o Waldir e pediu para me “olhar”. Entendi que o Tio
Santo sabia quem era o pai dele, que tinha uma Serraria em Uberaba. Ele esperou
o trem chegar, me ajudou colocar a mala no bagageiro e me disse para obedecer
ao Waldir, que era uma ótima pessoa.
Lá fui eu para minha primeira viagem de trem. No começo
foi tudo novidade e não me inteirei de tudo que estava acontecendo. Acho que
nem tinha idade para saber muito bem o que acontecia. Na primeira oportunidade
o Waldir veio sentar perto de mim e de outro colega e nos explicou que tínhamos
que ter cuidado, pois nunca se sabia quem estava no vagão conosco, de segunda
classe era um pouco mais perigoso, então devíamos ficar de olho na nossa mala e
nas nossas coisas. Informou-nos que teríamos que fazer duas baldeações, uma em
Ribeirão Preto e outra em Tambaú. Que chegaríamos pela manhã em Guaxupé. O trem
não ia mais até Muzambinho. Tinha sido desativado o ramal de
Guaxupé-Muzambinho. Mas que o caminhão
da Escola iria nos pegar em Guaxupé. Sem
entender muito bem tudo o que ele disse, concordei sem fazer perguntas. Passado
algum tempo, descobri que se podia andar pelo vagão e não precisava ficar
sentado naquele banco de madeira, que, dizíamos, deixava-nos com a “bunda
quadrada”!
Imagina que era locomotiva a vapor, tocada a lenha e de
vez em quando, nas curvas, entravam pequenas brasas que caíam sobre a roupa e
queimava. Quando percebi, já estava com dois furinhos na minha calça nova. A
partir da sétima ou oitava estação, percebemos que podíamos descer quando o
trem parava e era fácil de saber quando partia, pois o “Chefe”, que também
descia, ficava na plataforma observando e apitava uma vez e o Maquinista
respondia com um apito, apitava a segunda vez e o Maquinista novamente respondia.
Somente depois do segundo apito ele partia e a partida era muito lenta; custava
embalar!
Foi uma viagem muito difícil, pois não só faltava
experiência, como ficava sempre pensando no pouco dinheiro, tinha que
economizar, pensando no que me esperava lá na tal Escola. Quando foi chegando a
noitinha, foi dando fome e o Waldir me falou que era melhor esperar chegar em
Ribeirão Preto, porque era mais barato, do que comer no carro-refeitório e que
teríamos mesmo que esperar mais de uma hora o outro trem. Chegamos em Ribeirão
Preto já de noite e lembro que comi pão com mortadela, que era o que tinha de
mais barato e tomei um guaraná. Foi tudo que comi de jantar. Tomamos o outro
trem, para Tambaú e acabei dormindo, ou melhor, cochilando e acordando, até que
paramos, de madrugada em Tambaú, onde fizemos a segunda baldeação, com nova
espera de cerca de 1 hora, ou talvez mais. No trem, novamente cochilei e
acordei, mas amanheceu e chegamos em Guaxupé.
Descemos do trem, cada um com sua malinha, alguns com duas malas e fomos
a pé até à Praça principal, onde tomamos café e comemos pão com manteiga, numa
padaria que o Waldir já conhecia. Tivemos que esperar até às 8 da manhã, para
abrir o Posto Telefônico. O Waldir foi lá e pediu um interurbano, a cobrar,
para a Escola em Muzambinho. A telefonista informou que demoraria cerca de uma
hora. Não sei quanto tempo ficamos ali nos bancos da praça esperando o caminhão
da Escola. Mas uma hora chegou! Pusemos tudo na carroceria e subimos todos.
Partimos para a Escola, de caminhão, depois de viajar mais de 12 horas de
segunda classe, aquilo parecia um suplício! Estrada esburacada, muita poeira,
muito desajeitado, ficar ali sentado na beirada da carroceria, pois não tinham
nem aquelas tábuas que a gente via nos caminhões de “pau-de-arara”. Hoje
escrevendo, eu penso que era mesmo coisa de louco! Uma aventura impressionante
para um moleque de 12 anos, que nunca tinha saído da barra da saia da Mãe.
Chegamos direto na Escola, não vimos cidade, não vimos
nada. A Escola me pareceu imensa. Tantos prédios, muito grandes, o tempo tinha
fechado um pouco mas não tinha chovido. Fomos levados para um dos dormitórios.
A cada um foi entregue uma roupa de cama completa, incluindo toalha de banho,
e, designado um armário que ficava um em cima e outro em baixo. Fiquei com um
de baixo. O Waldir veio para me falar que tínhamos que arrumar a cama e marcar
bem o lugar, e teríamos que comprar um cadeado, para fechar o armário. Que era
para tomar banho e irmos à cidade comer, porque a Escola ainda não estava
funcionando. Falou para não desmanchar a mala, para ficar tudo guardado dentro
da mala, até que comprássemos o cadeado para fechar o armário. Ele, como já era
aluno, ficaria em outro dormitório. Eu teria que ficar no dormitório de
visitantes em exame, pois nem sabíamos se seríamos selecionados, para ficar.
Bem,
como já contei o causo do Ettore, significa que eu passei... mas como...
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