quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Causo 23 Artista é sempre Artista...


Nicanor de Freitas Filho

            Tenho uma grande amiga, que por sinal, é também minha advogada e trabalhamos juntos por 7 anos num Grupo Financeiro, ela como advogada e eu como economista. Um dia cheguei ao escritório com uma serigrafia, de Aldemir Martins e como nossas salas eram “parede-meia” ela viu a tela. E como ela gosta de pinturas! Propôs-me uma troca, por uma cópia de um quadro da Tarsila e me deu junto uma pintura, bico de pena, do irmão dela, que é um grande desenhista. Gostei muito mais do bico de pena – que retratava uma favelinha, no alto de um morro – do que a reprodução da Tarsila. Decorou a parede da sala de visitas da minha casa, por mais de 25 anos, até que numa mudança, a senhora encarregada pela empresa de transporte, ir à minha casa antecipadamente, preparar as peças pequenas para mudança, dobrou a “favelinha” no meio, enrolou e colocou num canudo. Quando abri não servia para mais nada! Acontece!
            Ele, como artista ilustrador, conseguiu um primeiro emprego de verdade, para ser assistente de um famoso colunista paulista, que escrevia para as revistas da Editora Abril. Com isso, tinha acabado a moleza de ir para as baladas, voltar a hora que quisesse, levantar a hora que acordasse, que pelo jeito, era sempre depois do meio dia.
            Já mais de um mês trabalhando duro nas ilustrações, numa sexta-feira deixou um bilhete colado no espelho do banheiro da mãe dele: “Mãe, me chame às 8 horas que vou trabalhar neste sábado”. A mãe muito zelosa e satisfeita de ver que o filho estava trabalhando e tendo responsabilidade de ir num sábado, provavelmente para entregar um serviço, chamou-o às 8 horas. Como ele não levantou, ela voltou a chamá-lo às 9 horas. Chamou às 10, às 11, às12 e desistiu. Ele levantou depois do meio dia, como se nada tivesse acontecido e não foi trabalhar!
            Na sexta-feira seguinte, deixou o mesmo bilhete, do mesmo jeito e novamente sua mãe lhe chamou às 8, às 9, às 10 às 11 e meio dia, mas ele se levantou bem mais tarde. Numa terceira sexta-feira ocorreu tudo do mesmo jeito.
            Minha amiga, que além de “advogada” (principalmente da mãe), era mais velha que o irmão –  portanto tinha moral para lhe chamar a atenção – chegou para ele e lhe deu uma “bronca” daquelas: “ – Qual é a sua meu irmão? Pensa que a mamãe é “trouxa” ou é sua empregada? Fica fazendo-a de boba, ela fica preocupada lhe chamando a cada meia hora, e você não se toca e não levanta! Porque você fica deixando esses bilhetes para ela se não vai trabalhar coisa nenhuma? Pode parar com isso!”
            Ele, carinhosamente e com a “manha” de irmão mais novo, talvez caçula, lhe respondeu:
            “ – Ah maninha, você não entende? Tenho me esforçado, levanto cedo todos os dias, trabalho até tarde, nem reclamo. Aos sábados, que não tenho obrigações, ficar dormindo até meio dia sem saber que estou dormindo, não tem graça nenhuma! Gostoso é a mamãe me chamar e eu pensar: ‘hoje é sábado, posso continuar dormindo... viro pro canto e durmo...é bom demais!’ Deixa continuar, vai...”

sábado, 20 de agosto de 2011

Causo 22 Vaidade e Glostora


Nicanor de Freitas Filho

            Aí por volta da década de 50, os rapazes usavam para fixar o cabelo, um óleo que comercialmente chamava-se Glostora. Deixava a cabeça lambuzada com aquela oleosidade horrível, mas era o que se tinha, além de ser a moda, pois o cabelo ficava brilhante! Para nosso poder aquisitivo do interior não era muito barato não.
            Tenho uns primos, que para evitar de citar nomes, vou chamá-los, como a molecada de hoje, de Jô e Ma. Este sempre trabalhador e cumpridor de seus deveres. Já o Jô era meio, digamos, folgado. O Ma tinha muita responsabilidade, trabalhava desde pequeno, aprendeu a fazer de tudo e tinha dois empregos. De dia trabalhava na Gráfica e de noite e aos domingos, era operador no Cine Brasil, trabalho que aprendeu com o pai dele, que foi operador lá por vários anos.
            O Jô vivia pegando as coisas dele, inclusive roupas novas para ir namorar. O Ma não gostava nada disso e vivia brigando com o Jô. Mas o Jô era mesmo impossível e não se importava muito com o que o irmão falava.
            Um dia o Ma viu que o vidro de Glostora dele estava baixando muito rápido e o Jô ali sempre com o cabelo bem oleado e penteado.  O Ma falou com ele várias vezes para ele parar de pegar a sua Glostora, mas ele não dava a mínima para  o irmão.
            Um dia o Ma teve uma idéia. Trouxe da Gráfica um vidro de goma-arábica. Quem não conhece a goma-arábica é um líquido pastoso, amarelado, para colar, principalmente papel. (Que vontade que eu tinha de ter goma-arábica para fazer meus papagaios, mas era cara demais para nosso padrão). Na surdinha, sem ninguém perceber, retirou a Glostora do vidro e colocou dentro a tal goma-arábica, que quando seca fica dura, como pedra. A goma-arábica, dentro do vidro, tem a mesma cor e textura da Glostora. Pegou sua Glostora e passou para outro vidro, que escondeu muito bem, deixando sobre o toucador – lugar onde se guardava os apetrechos de barba e cabelo – o vidro de “Glostora”, mas cheio de goma-arábica.
            Não deu outra, o Jô provavelmente ia namorar, foi ao toucador, pegou o vidro de “Glostora” (cheio de goma-arábica) e mandou ver. Besuntou o cabelo com aquela “Glostora”, que até pareceu mais compacta naquele dia, mas o que é de graça, não se escolhe muito e se mandou. Foi paquerar. Depois de algumas horas, ele percebeu que aquilo começou a secar, mas ele não tinha muito o que fazer, pois estava ocupado com “outras coisas”. Quando chegou em casa, meio sonolento foi dormir e percebeu que a cabeça não se acomodava no travesseiro. Mas mesmo assim dormiu. Quando acordou no dia seguinte e foi tomar banho é que viu o estrago que a “Glostora” tinha feito. O cabelo dele estava duro e não tinha como lavar, porque água não derrete a goma-arábica depois que seca. Não é “solúvel” em água. Resultado: o Jô teve que raspar a cabeça com máquina zero, para sair aquela carcaça que formou sobre sua cabeça... E como deve ter doído aquela operação!! Vingança completa!! Iiiiiáááááá!

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Causo 21 Tia Geraldina foi assaltada


Nicanor de Freitas Filho

            Novamente vou citar o nome por se tratar de pessoa que já faleceu. Meu tio Dominguinhos era casado com a tia Geraldina. Mineira de Araxá, muito inteligente, ela escreveu dois ou três livros, sendo um deles “Os Corrompidos”, escrito quando ela tinha 33 anos, segundo ela mesma me contou e que trata de um assunto, que na época, acredito, era ficção científica: Inseminação artificial. É possível que eu conte outros “causos” dela aqui, pois alguns são ótimos.
            Este de hoje começa com ela indo à feira, já com mais de 70 anos, mas muito ativa. Tinha acabado de fazer um curso de teatro e fazia uma peça, na qual ela interpretava uma viúva bêbada. Ela morava no Rio de Janeiro, na Praia do Botafogo, bem pertinho da Igreja Imaculada Conceição. No sentido contrário ao da Igreja, semanalmente, tinha uma feira livre a uns três ou quatro quarteirões da casa dela.
            Ela foi à feira, fez suas compras, que não eram muitas coisas, pois já estava viúva embora morasse com duas netas pequenas. Como sempre ela voltava com o carrinho de feira cheio, com aquele calor do Rio, ninguém anda muito apressado. Vinha ela na beira da calçada pensando na vida, pois ela fazia sempre isso. De repente, passou um garoto de bicicleta e “cráu” passou a mão na sua bolsa que estava à tiracolo. Ela gritou, mas o safadinho não quis nem saber. Pedalou e se mandou. Ela, desesperada, tirou fora as sandálias havaianas (hoje seria um chiquê) e saiu correndo atrás e gritando o famoso: “ – pega ladrão...pega ladrão!!”. Mas quanto ela mais corria mais o guri se distanciava e ninguém quis ajudar.
            Mas como boa mineira e de personagem extremamente forte, que não desiste nunca, continuou a correr e gritar: “ – pega ladrão...pega ladrão!!” Até que chegou perto da feira de onde ela vinha. E, por causa da feira, a pracinha estava interditada e o moleque não tinha por onde passar de bicicleta. Nessas alturas, com aquela velha que não desistia, ele então, encostou a bicicleta numa banca de jornal, ali na esquina e continuou sua fuga a pé mesmo. É lógico que ele corria muito mais do que ela e ela não o alcançaria nunca. O que ela fez? Pegou a bicicleta e a levou empurrando para casa. Encontrou o carrinho de feira que ninguém se aventurou pegar, porque viu que a velhinha era mesmo “porreta”, calçou as sandálias novamente e chegou em casa.
            O que passava na cabeça dela era que o moleque ia procurar a bicicleta e ia chegar nela, que só a entregaria mediante a devolução da bolsa. Mas que nada, passou uma semana e todos os dias ela olhava para a bicicleta na área de serviço e pensava: “-Aquele safado ainda vai me pagar!”
            De repente teve uma idéia! Se ele não me paga eu vendo a bicicleta dele e recupero o dinheiro. Já que tinha mesmo tirado a Carteira de Identidade nova, não precisava de mais nada que estava na bolsa. Conversou com o Zelador do prédio, que imediatamente vendeu a bicicleta por setenta reais.
            Quando ela pegou o dinheiro disse para o Zelador: “ – A bolsa era velha, só tinha minha carteira de identidade e deveria ter, no máximo, dez reais. Lucrei 'sessentinha' por ter sido assaltada!! Ah! Ah! Ah!”

domingo, 7 de agosto de 2011

Causo 20 Lá no Veríssimo

Nicanor de Freitas Filho
            Fomos morar numa cidadezinha, que hoje (2.011) tem 3.000 habitantes, imagine em 1952! Acredito que seria bem menos de 1.000 habitantes. Era uma vilazinha em torno da Igreja de São Miguel, chamada Veríssimo, que fica cerca de 70 ou 80 Km. de Uberaba, no Triângulo Mineiro.
Lá, como meio de condução, só havia cavalo e carroça. Carro, acho que só os ônibus que vinham de Uberaba ou de Campo Florido. Meu pai trabalhava a cavalo. Quando chegamos lá ele comprou um já não muito novo, chamado Alazão, por causa de sua cor. Era manso e fazíamos dele o que queríamos. Um dia a minha irmã queria andar a cavalo e pegamos o Alazão. Só com aqueles pelegos, sem arreio, eu na frente e ela na garupa. De repente ela se desequilibrou e foi caindo, caindo e me arrastando com ela. Caímos debaixo do Alazão, que parou e ficou nos esperando! Depois meu pai comprou um cavalo chamado Rosado. Tinha pertencido a ciganos e era um “cavalo-malandro”. Eu gostava muito de cavalos, e geralmente andava em pêlo mesmo, porque dava muito trabalho mexer com arreios. Eu colocava uma cordinha, amarrada no focinho do cavalo, como se fosse um cabresto,  pisava no “joelho” da frente do cavalo, de apoio e montava num pulo. Cansei de fazer isto com o Alazão, principalmente quando ia levá-lo ao pasto, onde passava à noite. Meu Pai chegou e me disse para levar o Rosado no pasto. Desarreou o cavalo, amarrou a cordinha no focinho e eu pisei no joelho do bicho, mas antes de dar o impulso, ele virou o pescoço para trás e “crau!”, mordeu minha nádega esquerda. Mas mordeu pra valer, saiu muito sangue e meu Pai disse que era perigoso dar tétano, porque os dentes do cavalo são sujos, e passou álcool na mordida. Se já estava doendo, imagine o quanto doeu mais ainda! Depois desse Rosado, ele comprou uma égua chamada Branquinha. Ela era muito bonita, branquinha mesmo. Até a remela que saia dos olhos dela era banca. De crina comprida e brilhante. O Campo de Futebol ficava a uma quadra e meia da nossa casa, na frente de uma venda que tinha de tudo. O meu irmão mais velho e eu estávamos lá vendo um jogo qualquer, ou talvez treino, o meu Pai chegou com a Branquinha, já com a corda amarrada no focinho e disse para levá-la pro pasto. Montei na frente e o meu irmão na garupa. Meu Pai, como que para nos despachar, deu um tapa na anca da Branquinha. Ela se assustou e desembestou – como eles diziam – de tal forma que eu não conseguia controlar nada.  Perdi a cordinha, passei a segurar nas crinas dela e o meu irmão me abraçou firme e fomos do jeito que dava. Ela cada vez mais assustada, corria mais e nós dois gritando por socorro. Quando vi na nossa frente uma valeta de uns 2 metros de largura, pensei “agora ferrou tudo”, mas ela saltou bonito, parecíamos até o Rodrigo Pessoa competindo. Aí, na frente da selaria, três senhores que perceberam a situação, foram para o meio da rua e cercaram a eguinha safada, ou assustada, não sei bem. Alguns segundos depois, chegaram meu Pai e mais uns 4 ou 5 amigos dele, que vieram correndo atrás de nós. Mas nós não caímos. Somos duros na queda! Então o meu irmão disse:           
“ –Nunca mais monto nessa porcaria”.
            E  eu repiquei na hora, amarra a corda por dentro da boca dela que eu vou levá-la no pasto. Meu Pai, passou a cordinha por dentro da boca dela, amarrou a língua junto, e perguntou se queria que ele levasse. Eu disse que não, que eu que iria levá-la. Chegando ao pasto, abri o colchete de arame farpado,  amarrei a cordinha no pé de caju, que tinha logo na entrada e comecei a chutar a barriga dessa égua. Acho que ela já tinha trabalhado em engenho, porque quanto mais eu chutava mais ela ia rodando em volta do cajueiro e como eu chutava do mesmo lado sempre, de repente vi que saía sangue da barriga dela. Então eu parei! Acho que nunca me senti tão cansado como estava naquela hora. Acredito que fiquei chutando a eguinha por uns 10 minutos, sem parar. Lavei a alma!

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

A Lágrima de um Palhaço

Hoje não vou postar um causo, mas uma poesia feita pela minha filha, quando ela estava com 12 anos e estudava no Colégio São Luis, em São Paulo. Pode ser “corujisse” mas eu gosto muito de lê-la sempre que posso.

A LÁGRIMA DE UM PALHAÇO

                                                           Poesia de Claudia Fonseca de Freitas
1985


Este é o lugar
Do meu trabalho.
Quando me olho no espelho,
Vejo em meu rosto
Uma lágrima
Que escorre
E chega até o fundo do meu coração.

Olhando as maquiagens,
Junto com outras bobagens,
Eu me lembro
Da primeira vez que entrei em cena...
De calça verde,
Blusa branca
Com bolinhas vermelhas,
Um suspensório azul,
E um chapéu com uma engraçada pena.
É, no começo, eu não me sentia bem.

Agora, olhando-me no espelho,
Sinto toda escuridão dentro de mim.
No fundo, bem no fundo,
Só há uma pequena luz
Que traduz
Toda minha emoção!

Junto às cores
Que brilham em meu rosto,
Aparece uma lágrima
Que, suavemente, começa a escorrer
E eu, preocupado, para a maquiagem não borrar,
Tentava não piscar.

Vejo que é hora,
É hora de entrar em cena.
De repente...
Ouço a minha apresentação.
Escuto risadas,
Risadas de crianças
Que não conhecem a vida
Ainda não sabem o que é viver,
Mas ficam felizes
Ao me conhecer.


Faço piruetas,
Brinco com varetas,
Caio no chão,
Faço bolinhas,
Bolinhas de sabão.

Alegro as crianças,
Crianças que dão gargalhadas,
Gargalhadas que iluminam minha vida
De todas as minhas palhaçadas.

A lágrima chega perto,
Bem perto da minha boca,
Que está toda pintada;
Eu estremeço,
Saio de cena
Muito aplaudido!

As lágrimas escorrem em meu rosto,
Sinto um arrepio.
Pedem que eu volte,
Não resisto,
Sinto que existo,
Sinto a alegria
Que oferto às criancinhas
E aos pais também.

Vejo que se distraem
E as pipocas caem,
Caem no chão.
E o doce algodão
Deixa melado
O seu blusão.

É hora,
Todos se reunem
Para o desfile final das atrações.
Porém não resisto, é difícil,
Não consigo ir embora.

Mas já é tarde,
A minha lágrima de emoção
Também já se foi...
Porém meus sentimentos continuam.

Amanhã é outro show...
Outra emoção
Em mim acontecerá.
E a lágrima que escorreu,
Em meu rosto, outra vez aparecerá!